segunda-feira, 19 de setembro de 2011

CAFÉ COM PLACEBO

(CONTO DEDICADO AO MEU GRANDE AMIGO JULIO)




Dulce é amarga.
Júlio, seu marido, ainda assim a ama. Mais até do que as reprises do desenho animado do Pica-pau, que aos fins de tarde chegam junto com o pôr-do-sol. E tanto quanto os quadrinhos dos X-Men, que depois de uma longa temporada de fascículos ruins, finalmente deram a volta por cima e os editores produziram uma série de respeito.
Dulce acha tudo isso uma tremenda bobagem e ainda não consegue entender como alguém pode torrar as suas economias com desenhos medíocres sobre papel vagabundo. E pior, ainda rir das mesmas piadas previsíveis e, segundo ela, sem a menor graça de um desenho animado idiota. E quando reclama disso, Júlio apenas rir, como se o incêndio fosse longe, na casa de seu vizinho ao lado.
Dulce sofre. Sofre como quem tem pedras pontiagudas nos rins. Mas como todos dizem, ela é saudável. Forte como gente ruim. Tanto que, segundo um comentário maldoso, ainda enterrará a todos os outros parentes. Talvez até Júlio.
Júlio é estranho. Para alguns, é um perfeito idiota. Ela grita com ele, reclama das suas manias, zomba de seu gosto musical, despreza as suas bases culturais. Ainda assim, quando Dulce não poupa uma caixa de supermercado porque errou, por míseros centavos, o troco das compras do mês; quando Dulce briga com outra “Dulce” por uma vaga no estacionamento; ou ainda, quando ela reclama que uma fila qualquer, de banco, cinema ou farmácia, não sai do lugar, Júlio apenas rir e a ela pede, com todo o carinho e calma do mundo, que se acalme, apesar de saber que isso é como um placebo ou mais outro remédio a base de farinha.
Dulce nunca teve filhos. E nunca os terá. Nasceu seca como árvore que só dar sombra. E apesar da impecável limpeza de sua casa, nenhum animal perturba a calma do lar, doce lar, dela e do seu, segundo ela, imprestável marido. Nem peixe dentro de aquário eles criam. Tampouco jardim possuem.
Eles moram desde que se casaram no térreo de um sobrado antigo, no centro da cidade. Júlio sempre quis morar em apartamento, mas Dulce sempre odiou subi escada. E mesmo quando Júlio disse a ela que os elevadores já foram inventados há décadas, ele ganhou dela uma semana inteira dormindo no sofá da sala. Para que sentisse na pele, e na coluna principalmente, que a única opinião realmente importante para ela, é a dela.
Durante os longos vinte anos em que estão casados, Dulce cogitou varias vezes voltar para a casa de seus pais. Em todas essas vezes Júlio apenas olhou para ela, sem dizer nada, mas dizendo algo como: “Você realmente quer fazer isso? Então faça.” Dulce em resposta ficava amuada por alguns dias. Júlio assistia a tudo isso como quem assiste ao leite ferver na leiteira. E antes que o leite derrame, ele olhava para Dulce e sempre dizia: “Meu bem, vamos para a cama que está ficando frio.” Dulce reclamava dele, esperneava como criança mimada, mas depois vencida pelo cansaço, e sem querer descer do salto, concordava com ele, mas só por aquela noite. No dia seguinte bem cedo, antes do primeiro galo cantar, ela iria embora. Na manhã seguinte Júlio a subornava sempre com um banquete dos deuses no café da manhã. E enquanto se alimentava Dulce nem se lembrava mais porque quis tanto ir embora.
Júlio a ama.
E Dulce não durará mais do que duas estações. Seu cisto no ovário se alastrou rapidamente para outros órgãos vizinhos. Ambos descobriram tarde o avanço da tempestade. E ambos sabem que parte do descuido é culpa da própria Dulce que nunca permitiu a outra pessoa tocá-la. A outra parte da culpa é de Júlio por não ter tomado as rédeas da situação há mais tempo.
Dulce é amarga e reclama de tudo. De tudo mesmo: do insosso do arroz, do barulho das crianças na calçada de sua casa, do frio da noite, de tudo. Até mesmo do riso de Júlio em mais um episódio repetido do Pica-pau.
Júlio permanece ao seu lado.
No entanto esta noite ele olhou para Dulce e os olhos dela estavam cheio de lágrimas. E para não a deixar mais constrangida, ele recolocou no lugar com todo o carinho, calma e delicadeza do mundo o cordão do sutiã que caia sobre o ombro dela.
Ela pensou em reclamar. Não encontrou forças.
Ele fingiu não perceber.
Ela desviou o olhar.
Ele tocou com carinho o rosto dela.
Ela se recompôs. Depois reclamou dele.
Júlio se plantou diante da televisão, segurando o choro, e rindo sem querer de mais um episódio repetido do Pica-pau.

sábado, 10 de setembro de 2011

A CASA LILÁS DA RUA SEM SAÍDA




A casa de meus pais ficava em uma rua sem saída. E era uma casa incrível. Não pelo seu tamanho. Mas porque era a nossa casa.
Tinha uma varanda com piso de azulejos brancos, e media oito metros e meio por dois metros. Ali meu pai passava as suas tardes de folga, sentado em uma das duas cadeiras de balanço, daquelas bem antigas, com tirinhas de plástico azuis e brancas. De lá, eu me lembro, meu pai lia o seu jornais ou algum livro, tomando o seu café enquanto via a minha mãe cuidando de suas hortênsias no jardim. E quando ela terminava o seu serviço, ia se sentar ao lado dele. E meu pai sempre brincava com o cheiro de terra e de planta que ela trazia do jardim. Eu me lembro de cada uma das várias vezes em que eu e minha irmã chegamos da escola e na varanda pelo menos um deles estava lá nos esperando.
O salão da casa era retangular e media seis por três metros e cinquenta centímetros. Tinha três janelas, duas delas eram voltadas para a varanda e entre essas duas existia uma porta. A terceira janela era voltada para o jardim de minha mãe. Havia ainda uma porta que dava acesso para a cozinha e duas colunas que levavam a um pequeno hall. Nessas colunas minha mãe adorava expor suas cortinas, e meu pai odiava ter que subir na escada para trocá-las.
Nesse salão aconteceram varias festas de aniversário, vários encontros entre os meus pais e os seus amigos, vários almoços e jantares. Ali minha mãe assistia às suas novelas à noite. Eu jogava o meu game com meus amigos nos fins de semana. E meu pai assistia aos jogos de futebol conosco e, de vez em quando com seus amigos. Ali também assistimos todos juntos a três Copas do Mundo. Meu pai e minha mãe a cinco. Minha irmã com eles, quatro. E só uma delas foi vencida pela nossa seleção de futebol. E fizemos a maior festa.
Na mesa de jantar eu e minha irmã fazíamos nossos deveres de casa e meu pai e minha mãe corrigiam as provas de seus alunos. Ele era professor de Matemática. Minha mãe ensinava Literatura. Não à toa tínhamos mais livros em casa do que eu e minha irmã tínhamos brinquedos.
Da sala tínhamos acesso à cozinha e ao hall. A cozinha era uma espécie de L, e a parede que tinha uma porta voltada para a sala media dois metros e quarenta centímetros. Perpendicular a esta parede havia outra que media um metro e quarenta centímetros, onde estavam pregados alguns armários, e outra parede que fechava a perninha do L, de meio metro. Deste mesmo lado existia outra parede de dois metros e quarenta centímetros, atrás desta ficava o banheiro do quarto de meus pais. Outra parede em paralelo com a primeira, de um metro e meio, e uma última que media três metros e oitenta centímetros. Esta dava acesso para a área de serviço da nossa casa, a qual media um metro e noventa por um metro e noventa centímetros. Seguindo por ai tínhamos passagem para o corredor maior localizado ao lado da nossa casa.
Na cozinha tomávamos nosso café da manhã e minha mãe adorava fazer suas macarronadas aos domingos e feijoada em um dos sábados do mês. Eu e minha irmã passamos boa parte de nossa infância naquela cozinha. Nossa mãe tirou diversas vezes licença do trabalho para cuidar melhor de nós dois. Ela arrumava a casa e cuidava de nós com a mesma atenção. Nunca tivemos empregadas e só duas vezes por semana uma diarista vinha ajudar nas tarefas de casa. Ou seja, o titulo de rainha do lar a ela caia perfeitamente bem. Porque a casa sempre estava impecável e os filhos foram muito bem criados.
Saindo da sala, havia ainda um hall de três metros e vinte por noventa centímetros. Ele dava acesso para o quatro da minha irmã, um banheiro entre os quartos, ao meu quarto e ao quarto de meus pais. Era meio que um corredor. E eu passava mais tempo ali quando precisava ir ao banheiro e minha irmã estava se embelezando dentro dele para ir vender o seu charme ou desfilar pelos corredores da nossa escola. Esse sempre foi um dos motivos das nossas inúmeras discussões, as quais eu sempre me dei mal. Ser irmão mais novo tem dessas coisas.
O quarto da minha irmã media três metros e quarenta centímetros por dois metros. E é só isso que sei dele. E isso porque meu pai me contou uma vez as suas medidas. Ela nunca me deixou entrar nele. E durante um bom tempo fiquei imaginando o que realmente acontecia lá dentro. Como vivia implicando comigo sempre acreditei que ela fosse meio bruxa e que lá dentro fazia algumas de suas bruxarias. Ela tinha duas amigas unha e carne, e estas quando vinham nos visitar - ou apenas a ela, passavam tardes inteiras trancadas. Eu ficava atrás da porta do quarto ou da janela, que era voltada para o corredor atrás de nossos quartos, tentando escutar alguma coisa do que falavam, mas só ouvia risinhos e mais risinho e nada mais. Aquele lugar sempre fora para mim um completo mistério. E continua sendo.
Entre os quartos havia um banheiro de um metro e trinta por dois metros e setenta e cinco centímetros. Ali era um excelente lugar para ler quadrinhos e tomar banhos demorados, para desespero de minha irmã. E minha alegria.
O meu quarto era menor que o da minha irmã, media dois metros e oitenta por dois metros e setenta e cinco centímetros. Ali era o meu reino. Eu tinha uma cama, um armário, um guarda-roupa, uma escrivaninha e sobre esta um computador, uma prateleira repleta de livros e historias em quadrinhos. Uma pequena estante com uma tevê e vários vídeos games. Em cima do guarda-roupa eu guardava uma bola de futebol. Em um canto da parede ficavam encostados lado a lado o meu violão e o meu skate e embaixo da cama guardava os meus tênis e sapatos. E embaixo do colchão da cama as minhas revistas e filmes pornôs. Minhas paredes eram repletas de pôsteres de minhas bandas favoritas. Não à toa Nirvana, The Beatles, Radiohead, Green Day, Titãs e Legião Urbana disputavam na tapa cada centímetro de parede. Tirá-los de lá uma vez por ano para que fosse pintado o quarto sempre me deu um trabalho danado. Apesar de todo o cuidado do mundo pedir três dos vinte pôsteres que eu tinha. Um deles, o da Legião Urbana, nunca encontrei outro igual.
Ali também eu gastei várias horas em frente à tela do meu vídeo game, enfiado nos livros de estudo ou nos clássicos americanos de Melville e Hemingway, ou em Fernando Pessoa ou Shakespeare, Hermann Hesse ou Will Eisner, Pato Donald ou Lanterna Verde. Naquele quarto eu tocava e cantava, muito mal por sinal, é verdade, She, Come Are You Are, Giz, Sonífera Ilha e I Feel Fine. E também ali fiquei dias de cama por causa de sarampo, febre ou alguma virose.
O último compartimento da casa era o quarto de meus pais, que ficava colado ao meu. Era a suíte da casa. Logo na entrada havia uma espécie de compartimento menor que media um metro e oitenta e cinco por um metro e quarenta centímetros, sendo essa segunda parede a mesma parede menor da cozinha. Nela ficava o guarda-roupa do quarto. O outro compartimento maior, uma sequencia deste, tinha uma mesma parede do meu quarto. E mais três. Uma media dois metros e noventa centímetros e ao centro tinha uma janela que estava voltada para o corredor menor. A parede seguinte media três metros e quarenta centímetros e nela ficava encostada a cama de meus pais. Ao lado da cama dois criados-mudos. No quarto havia ainda uma cômoda e uma penteadeira com um espelho, uma escrivaninha, computador em cima deste móvel e uma pequena estante com vários livros. A terceira parede media dois metros e quarenta centímetros, nela havia uma porta que dava acesso para o banheiro e este media dois metro e quarenta por um metro e trinta centímetros. Este era o canto de meus pais. E nem eu e nem minha irmã tínhamos muito acesso a ele. E quando meus pais por algum motivo queriam falar de algo sério, eles se trancavam no quarto e conversavam em baixo tom. Várias vezes eu e minha irmã tentamos escutar alguma coisa. Mas lá de dentro nós ouvíamos nossos pais nos mandando voltar para onde estávamos. E claro, nós obedecíamos.
Dois corredores levavam ao quintal da nossa casa. Um maior que media dois metros, e um menor que passava ao lado de todos os quartos e do banheiro, e media um metro e meio. Ambos mediam dez metros e quarenta e cinco centímetros, a largura dos lados da nossa casa.
O quintal media treze metros e sessenta e cinco por quatro metros. E era o canto de nós todos, igual à sala e a cozinha. Não tinha uma árvore sequer, mas lá aconteceram vários churrascos de fim de semana e algumas festas de aniversário. Era também o canto particular de cada um. Ali minha mãe estendia no varal as roupas lavadas e fazia ginástica com uma de nossas vizinhas. Meu pai volta e meia tentava consertar algum eletrodoméstico danificado, sem muito sucesso, claro, ele nascera para ensinar. Minha irmã e suas amigas pintavam as unhas umas das outras, ficavam de bate-papo e outras coisas de meninas que só as meninas entendem. E eu, eu testava acertar uma manobra nova de skate, batia bola contra a parede do quintal, lia ou tocava meu violão.
No quintal meu pai mandara construir uma churrasqueira. E depois que ele comprou uma mesa de pingue-pongue os almoços de domingo ficaram bem mais divertido. E mais perigosos para minha irmã. Volta e meia eu acidentalmente acertava uma bolinha em alguma parte de seu corpo. Principalmente na cabeça. Sem muita maldade, claro. Mas que eu adorava ser um péssimo jogador, com certeza sim.
A última parte da casa era também a primeira a ser vista. A parte da frente. Lá havia o pequeno jardim de hortênsias de minha mãe. Tinha quatro metros de profundidade, e dois metros de sua largura era uma calçada, onde meu pai estacionava o possante dele, o seu Fiat 147, que fazia muito barulho para tão pouco potência, segundo minha mãe. A outra parte tinha um gramado onde eu jogava bola contra a parede do muro da frente da casa, ficava sentado na grama tocando violão ou às vezes me deitava olhando para a noite estrelada. Esse último ato sob duros protestos de minha mãe que reclamava por não ser eu quem lavava as minhas roupas, por isso as sujava tanto.
E o jardim propriamente dito ocupava apenas uma faixa de setenta centímetros que se alongava desde o muro branco da frente da casa até o começo do corredor menor, atrás dos quartos. Não era grande coisa, mas para minha mãe era tudo. Lá ela tinha além das suas hortênsias e duas roseiras, que quase todos os dias derramavam suas pétalas vermelhas, azuis e brancas no gramado, também havia pés de capim santo, hortelã, cidreira, erva doce e babosa. Minha mãe mantinha esse cantinho seu com todo o carinho do mundo. Dedicava suas horas de folga cuidando dele, podando as roseiras, mexendo na areia, recolhendo as folhas secas que caíssem no chão. Meu pai dizia que ela parecia uma criança construindo seus castelos na areia da praia. E como castigo para esse seu comentário minha mãe pedia para ele aproveitasse que não estava fazendo nada, além de observá-la trabalhando, para cortar a grama. Claro que ele fazia isso. E por diversas vezes eles terminavam os seus serviços e ficavam sentados na grama regando as plantas. E a eles mesmos. Meu pai adorava brincar de fazer arco-íris só para mostrar ângulos exatos e explicar matemática e física para minha mãe. Ela sempre reclamava que ele estava estragando água brincando como criança, fazendo castelos de areia na praia. E ainda, em resposta à aula gratuita que antes tivera, recitava algum verso de Mario Quintana ou Cecília Meireles, uma letra de Vinicius de Moraes ou uma canção de Roberto Carlos. Ou seja, cada um defendia à sua maneira o seu queijo. E ao final havia sempre um empate técnico. Eu os olhava da janela da sala, via o que não entendia ainda, o quanto eles se amavam e eram felizes. E depois, para não os incomodar, voltava para o meu quarto e tocava violão.
E então, no ano em que meus pais pagaram a última prestação da casa, vinte anos depois do primeiro pagamento, algumas coisas aconteceram.
A primeira delas foi minha irmã que foi morar com o namorado dela, segundo meu pai, um advogadozinho de porta de cadeia. “Mas ela é adulta, tem vinte e dois anos, está no último ano da faculdade, gosta dele, o que fazer?”. Disse minha mãe. “Gosto não se discute, meu amor, lamenta-se a falta dele”. Meu pai respondeu descontente.
Depois, nosso bairro se tornou um dos mais violentos e perigosos da cidade e a insegurança passou a nos rondar.
Em seguida, a especulação imobiliária fez com que varias casas daquela região sumissem do mapa para dar lugar a prédios de arquitetura duvidosa e a condomínios fechados, protegidos por muros altos e cercas elétricas.
E por último, a pior de todas as coisas aconteceu, e foi justamente no dia do meu décimo sétimo aniversario.
O governo do Estado colocou em pratica o seu projeto arrojado, segundo este mesmo governo, de abrir nossas ruas, por conta do crescimento desgovernado da cidade e para melhor fluir o trânsito. E por umas dessas coincidências do destino a nossa casa estava freando o progresso e o crescimento da cidade. Isso porque exatamente onde ficava nossa casa e mais duas casas vizinhas, passaria uma via expressa, moderna, totalmente segura e fundamental para a modernidade da cidade.
E assim a nossa rua antes sem saída agora encontrara uma.
Meus pais e nossos vizinhos brigaram por dois longos anos para evitar que mudássemos daquele local. Mas foram vencidos pelo progresso. E por bons advogados do governo.
E então, depois de vinte e dois anos morando naquela casa tivemos que nos mudar. Um dia antes minha irmã e o advogado de porta de cadeia, agora seu marido, vieram nos ajudar nos preparativos para a mudança. Nossos vizinhos também vieram. Minha mãe preparou uma macarronada, a pior que já comi em toda a minha vida. Porque tinha o gosto insosso de saudade do que não volta mais. Durante o almoço meu pai estava compenetrado, distante e vazio. Minha mãe ao seu lado era a imagem viva da tristeza, tanto que nem em seu jardim ela vira as suas flores. Meu cunhado se manteve calado e acompanhava a minha irmã em sua dor. Eu via a tudo isso quieto, sem animo algum. Sem mim.
No dia seguinte fomos embora daquela casa. E nunca mais voltamos àquela rua, àquela vida, à nossa casa.
Com o dinheiro que meus pais receberam de indenização pela nossa casa, eles compraram um apartamento em um bairro tão distante, mais tão distante do endereço anterior, que parecia agora morarmos em outra cidade. Parecia até estratégia de guerra de quem teve o coração partido e foge para o mais longe possível dessa paixão.
Mas hoje, por um desses acasos do destino, no intervalo do trabalho para o almoço, vi a imagem pela tevê da casa de meus pais. Na verdade foi apenas uma miragem. A tal da via expressa que se propunha ser solução para um melhor fluxo do tráfego de veículos naquela área da cidade tinha se tornado um elefante branco administrativo. Isso porque naquele trecho agora era comum acontecerem assaltos a veículos e a pessoas a qualquer hora do dia. E também porque a especulação imobiliária falhara ao prever que a cidade cresceria para aquele lado. Aconteceu exatamente o oposto. Então, por conta de tanta violência e insegurança aquele local estava sendo abandonado. E agora, segundo um repórter que fazia uma matéria sobre a triste situação daquele trecho da cidade, exatamente onde ficava a casa de meus pais, o governo já pensava em desativar a tal da via expressa e incentivar a construção de um moderno conjunto habitacional naquele lugar. E desviar o foco de seus fracassos administrativos. E já pensando nas próximas eleições.
Vi aquilo tudo e fiquei pensando na nossa antiga casa. A casa lilás de muro branco. Lembrei que meu pai queria uma casa vermelha. Mas fora vencido pelo bom gosto de minha mãe. Lembrei-me de suas medidas, cada uma delas, centímetro por centímetros, porque nas vezes em que eu e meu pai ficávamos sentados na varanda, ele sempre me dizia todas elas, de cada um de seus vãos. Depois ele me contava os detalhes da reforma que fizera na casa e que esta mesma se iniciou quando souberam que eu estava para vir ao mundo. E que pouco antes do meu nascimento a casa ficara como ele queria. E como eu a conheci.
Agora já eram contados seis longos e difíceis anos desde que nos mudamos. E estávamos muito bem estalados no terceiro andar de um confortável edifício. Pouco falávamos da antiga casa, ou quase nada. Evitando mexer na ferida.
E então quando cheguei à noite nesse apartamento, pensei em contar o que vira na tevê aos meus pais. Minha mãe regava um jarro de hortênsias na varanda. Meu pai corrigia algumas provas de seus alunos, sentado no sofá.
Olhei para eles.
Eles me saudaram.
Minha mãe, sempre esperta como são as mães, logo me perguntou se eu estava bem.
Meu pai olhou para mim e disse que eu parecia meio abatido.
Eu lhes disse que o dia fora duro no meu trabalho.
Minha mãe não quis se intrometer em minha vida. Mesmo sabendo que eu não estava bem, olhou nos meus olhos, sorriu e me avisou que o jantar estaria pronto em vinte minutos. Depois mandou que eu fosse tomar o meu banho e me arrumasse porque minha irmã, o marido dela e a filhinha deles viriam jantar conosco naquela noite.
Olhei para ela e para meu pai e preferir não incomodá-los falando sobre nossa antiga casa. Sobre o quanto ela fora importante para nós todos. Fui para o meu quarto tocar de olhos fechados In My Life, dos Beatles, no meu violão, antes de ir tomar meu banho e me arrumar para o jantar.

sábado, 3 de setembro de 2011

VIDA QUE SEGUE



A verdade é que você se foi
E a vida segue mesmo que eu não queira.

A verdade é que tenho que me acostumar
Com a perda do caminho,
Você não volta mais seu olhar para o meu lugar.

A verdade é que tenho de parar de pintar
De preto meus cabelos brancos,
Você nem vai se importar se não ficar bem ao seu olhar.

A verdade é que tenho que ter coragem
Para deixar o passado no passado,
Nem mesmo você mora mais naquele tempo que nos perdemos.

A verdade é que tenho que me contentar
Com o silêncio como melodia,
Você não vai mudar sem modo de pensar para me agradar.

Mas, preferiria continuar acreditando
Na mentira de ainda conseguir voltar o tempo
Bem no instante em que éramos um apenas.

É pena, não posso mais
E a vida segue mesmo que eu não tenha morrido.



MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL



Tanto que tentei falar
Cansado de tanto escutar.
Tanto que ninguém ligou.
Tanto que decidi viajar

Para longe desse insensato mundo
Para onde eu fosse mais do que nada.

E você me visse mesmo com olhos fechados.
E você me quisesse mesmo que aos pedaços.

Quem disse que nunca existi
Foi quem nunca me ouviu gritar.

Mas, como alguém pode querer
Qu´eu desaparecesse de vez
Se nunca me viu de verdade?
Como alguém pode?

Tudo bem. Agora estou longe
Desse insensato mundo.
Ao menos, estou onde
Me sinto mais do que nada.




PEQUENOS MILAGRES


Um centavo em meu caminho
Tirei a sorte grande,
Faça chuva, faça sol,
Nada me deprime.

Quando você passar vai me dizer
Que podemos dar uma volta,
Nos conhecer melhor e nos perder
Depois de saber o que desgasta.

E vai ser bom não ter sido mal
Mas vai ser por mal querer ser bom.
Ao menos alguém me ouvirá e dirá:
Algo me redime.

Mas, um centavo não comprar nada,
Devolvo ao chão portanto.
Daqui não saio, daqui ninguém me tira,
Nada mentira.

EI MANO, VOCÊ CONSEGUE ME OUVIR?


Ninguém viu o muro
E o muro estava no nosso caminho.
O muro alto a nos lembrar,
Nem tudo é assim, azul marinho.

O muro alto a nos lembrar,
Que nós, justo nós, perdemos a guerra.

Ei Mano, você consegue me ouvir?
Porque eu só ouço o som das lágrimas
Caindo feito chuva no frio chão.

Ei Mano, você consegue entender
Porquê nós, justo nós, morremos na guerra?

Ei Mano, grite alto por favor,
Não quero ouvir os fogos da vitória
Me lembrando, que nós, justo nós, perdemos a guerra.

Maldito mundo.
Maldito muro alto no nosso caminho.
Muro alto a nos apagar
De tudo que é assim, azul marinho.

Ei Mano, você consegue me ouvir?
Porque eu só ouço sangue nas lágrimas
Caídas feito chuva no vazio chão.

Ei Mano, você consegue perceber
Que os sonhos logo eles caíram por terra?

Ei Mano, você consegue me ouvir?
Então não espere sentido nisso tudo.



quinta-feira, 1 de setembro de 2011

“SELVAGEM”



Antes de hoje aquele índio nunca ouvira falar de NIKE COCA-COLA McDONALDS FERRARI CHANEL LEVI´S MERCEDES-BENZ AAS MALBORO PROZAC VIAGRA JONNIE WALKER IBM ARMANI LEGO ROLEX PLAYSTATION RAY BAN MASTERCARD BOTOX BIC BUSH SADAN HUSSEIN FIDEL CASTRO HITLER JFK CRISTO BIN LADEN CHE GUEVARRA LADY DIANA FREUD EISTEIN ELIZABETH II JOÃO PAULO II JACKLINE KENNEDY MANDELA ARAFAT BUFALO BILL GATES MIKE TISON PICASSO GANDHI ONU CNN NASA FIFA OLP OVNI GLS G7 FMI KKK OTAN FBI DNA ETA INTERNET AIDS CIA TNT MTV IRA FOME GANÂNCIA TERRORISMO GUERRA RACISMO PRECONCEITO MISÉRIA ESTUPIDEZ TORTURA POBREZA INJUSTIÇA ABANDONO PROSTITUIÇÃO GENOCÍDIO CENSURA REPRESSÃO VIOLÊNCIA DESEMPREGO ESCRAVIDÃO REBELIÃO MADONNA THE BEATLES MICHAEL JACKSON ELVIS JAMES DEAN TARANTINO KURT KOBAIN PAULO COELHO BONO VOX PELÉ GISELE BÜNDCHEN TOM CRUISE SPILBERG ANDY WARHOL STONES OASIS BILL CLINTON MARLON BRANDO TOM HANKS SINATRA MATRIX MICKEY MOUSE DARTH VADER DRÁCULA PETER PAN THE SIMPSONS MONALISA HARRY POTTER DR. SPOCK INDIANA JONES LOLITA CIDADÃO KANE PINÓQUIO SUPER MAN WILLY WONKA E.T. GAROTA DE IPANEMA TOM & JERRY HOMEM-ARANHA BRANCA DE NEVE ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS CHAVES BÍBLIA DOWN JONES CRUZ VERMELHA AL QAEDA PALAVRAS CRUZADAS ORKUT HOLLYWOOD GREEN PEACE COCAÍNA CAMISINHA DE VÊNUS TATTOO HIGH SOCIETY BANG-BANG SEX SHOP NIRVANA RAVE HOMO SAPIEN PAPARAZZI DÓLAR BIG APPLE ANTRAX ANDRÓIDE PETRÓLEO GUINESS FAVELA PIZZA SILICONE ECSTASY TÁXI BONECA INFLÁVEL ÉBOLA CELULAR BRODWAY NOBEL SHOPPING CENTER OSCAR HIGH TECH GELADEIRA HOT DOG ANIME VÍDEO CONFERÊNCIA MARIJUANA PIPOCA PESTICÍDA H2O E=MC2 DVD HI FI iPAD DDD 666 CD PC $ e-mail @ SOLIDARIEDADE PAZ COMPAIXÃO TOLERÂNCIA FELICIDADE LIBERDADE AMOR SEGURANÇA BONDADE BOA VONTADE LEALDADE GARRA TALENTO IGUALDADE AMIZADE IRMANDADE FÉ ALEGRIA VIDA ESPERANÇA, no entanto, depois de hoje e apesar de tudo, ele continuou como se nada tivesse lhe acontecido.