domingo, 22 de abril de 2012

ISSO É TUDO



Quando ainda eu era um anjo
- e eu fui anjo um dia, sim, eu fui;
Quando ainda eu não via o mundo
Como agora eu o vejo, tom de cinza avermelhado,
- um dia ele teve outra cor além do vermelho;
Quando eu ainda tinha os sonhos
Que agora não os tenho mais,
- um dia eu tive sonhos, um dia.. mas faz tanto tempo;
Vó Benedita me contava histórias
De quando ainda era um anjo
E de como foi se perdendo de suas asas
Ao longo de duas grandes mudanças em sua vida:
Sair de sua terra, e ter que vendê-la para vir para cá;
E tia Luiza me dizia, sorrindo como sempre: filho,
Se você é bom se mantenha inteiro
Que o mundo costuma nos partir em bandas e
Que em suma, somos nada e isso é tudo.


Eu ouvi isso tudo como quem bebe água com sede,
E sabiam que eu realmente ouvia. E que tinha sede.
E quando todos se foram,
Olhei para o nada que me restou
E não tive como não lhes dá razão.
Não, não tive.


Acordei no meio da noite, andei pela casa. Cheguei à janela. Silêncio da noite. Noite sem estrelas. Noite sem sonhos. Voltei à cama. Fechei os olhos. Os leões de ontem também não dormiam e rondavam meus pensamentos. Até que ambos me venceram, os leões e o cansaço. Acordei no meio da tarde. Tarde demais para repor o tempo perdido. Vesti-me, fui trabalhar.


Porque,
Eu até que tento me manter inteiro
Mas o mundo insiste em querer me partir em bandas,
E também porque sei que em suma, somos nada e isso é tudo.


Quando eu ainda não tinha um quarto do pânico,
Quando eu ainda colecionava selos com araras
Que hoje são raros, os selos, as araras,
Marcos Marcolis tinha as duas mãos,
E tocava um violão desafinado em um palco sob passarela
Enquanto eu declamava os versos mais sem eira nem beira que já fiz,
E era engraçado, ao menos para mim, vê de cima as pessoas lá em baixo
Nos ouvindo muito mais por educação do que por vontade,
E com uma vontade danada de nos arremessar tomates.
Carlos Emilio me disse, calmo e doido como sempre: poeta,
Tenha calma - e não quebre mais aquários com barcos de papel dentro,
Eles até que tentam, vejam que te aplaude, sim, aplaudem,
Mas ainda não estão nada preparados para tanto. Não, não estão.

É, eu me lembro de tudo,
- E também do Marcos Marcolis rodando, rodando e segurando seu violão
Como se ambos fossem no parque de diversões, cavalinho e carrossel;
E de como vó Benedita preparava domingo de manhã pão de arroz para o café;
E de tia Luiza me perguntando, enquanto tomava um de seus remédios
Quando eu iria visitar a sua terra, enquanto vó Benedita olhava algo pela janela;
E também de Carlos Emilio soltando suas raias sem calda nos céus da cidade.
Lembro-me como se fosse o dia em que cair pela primeira vez do skate,
Lembro-me desde o primeiro até o último instante, nossa, como me lembro mesmo!
E agora que tudo isso é passado,
Não há como não sentir saudade disso tudo, não, não há.

É curioso, mas comprei um disco do Coldplay, eu o ouvi a tarde inteira. Depois fiquei pensando em coisas do tipo: viver a vida ou morrendo tentando vivê-la. Me sentei no chão da varanda esperando a estrela-dalva. Ele não veio. Quem me veio foi uma noite sem estrelas. Fui para o quarto. Encostei a cabeça no travesseiro. O dia me foi pesado. O frio da madrugada não teve cobertor suficiente. Voltei o meu olhar para o teto até cair no sono. Acordei no meio da noite, andei pela casa...

Mas, o porquê disso tudo agora?
Ora, o porquê?
Porque
Eu até tento me manter inteiro
Mas o mundo insiste em querer me partir em bandas,
E também, porque sei que em suma, somos nada e isso é tudo.