João
Victor assistia na sala de sua casa, ou pensava assistir, mais um episodio
repetido do pica-pau. Pensava assistir porque acordara mais cedo do que de
costume para ir para a sua aula na Escolinha da Tia Lelê, por volta das três e
meia da manhã, e como não conseguira mais dormir ficara deitado olhando para o
teto e vendo o sol aos pouco entrar pela janela do seu quarto, juntamente com o
barulho dos primeiros carros que rondavam por aquele canto da cidade. Por isso
ele, quando voltou da escola, sentia mais sono que o de costume. E depois do
almoço, deitou-se no sofá da sala para assistir um pouco de televisão antes de
ir resolver as suas tarefas daquele dia.
Logo caiu no sono.
Mas, ele foi despertado de súbito pelo barulho de
sirenes, pessoas correndo, pânico por toda parte, e com o anuncio desesperado
de um apresentador de televisão informando que a Terra estava sendo invadida
por marcianos.
Por medo daquilo tudo não abriu os olhos. Ficou quieto e
imóvel. Atento ao que ouvia.
João Victor sentiu-se desesperado, assim como o
apresentador era o pânico em pessoa, ele também pensou em correr, mas suas
pernas não saiam do lugar. Pensou em gritar, mas as palavras não saiam de sua
boca. Ele sentiu-se afogado e afundando. O seu desespero se misturava ao tumulto
que se instalava naquele local. Ouviu o barulho de naves espaciais de todas as
formas e tamanhos chegando à Terra, pilotadas por homenzinho verdes – bom isso
ele não viu, mas deduziu que os marcianos eram verdes, eram o que todos diziam
sobre a aparência dos marciano. Ele sempre achara isso muito estranho, homens
verdes de um planeta vermelho. Mesmo porque, pelo que ele sabia a Terra sempre
foi azul e ele não conhecia ninguém azul. Algumas coisas são meio complicadas
de entender, pensava sempre.
Voltou a se concentrar na invasão dos marcianos verdes do
planeta vermelho. As naves eram tantas que até o céu escureceu de repente, em
plena duas horas da tarde. Pensou em sua mãe, que certamente viria o céu
escuro, e acreditaria que a noite já chegara e fecharia mais cedo a sua loja de
roupas lá naquela loja grande com um bocado de outras lojas dentro.
- Oba – disse João
Victor -, quem sabe ela faça macarronada pro jantar de hoje. Animou-se, afinal a invasão dos marcianos não
era algo assim tão ruim. Seu animo não
durou tanto, logo se lembrou que seu pai não viria nada disso, porque estaria
dando aula de matemática para uma porrada de meninos burros dentro de uma sala
de aula onde ele ensinava. João Victor riu ao pensar na cena, os alunos-burros
correndo como burros com suas quatro patas quando soubessem da invasão dos
marcianos.
- Era o fim do mundo mesmo - pensou.
Novamente ele fez força para sair daquele lugar sem
sucesso. Tentou se mover de um lado para o outro. Não conseguiu.
- Será que os marcianos tinham conseguido me paralisar?
Estou perdido – disse para si mesmo. Bem baixinho para ser ouvido pelos
marcianos.
Desesperou-se novamente, estava imóvel e preso aquele
local.
Mas ele era João Victor, não, ele não se entregaria
fácil, fora seu pai quem ele dissera isso algumas vezes, quando lhe lançava
para cima alguns anos atrás, mesmo que sua mãe reclamasse por esse ato de seu
pai. Mas seu tio Davi também sempre lhe dizia a mesma coisa. Então devia ser
verdade. Tio Davi não mentia. Nem seu pai. Ele, João Victor era um guerreiro,
tinha que agir como um guerreiro.
E assim, com toda a sua força e do alto dos seus um metro
e dez de altura João Victor foi encontrando forças para abrir seus olhos porque
os marcianos não iriam vencê-lo.
Primeiro ele lentamente abriu os olhos, reconheceu o teto
da sala do apartamento onde morava, em seguida virou-se, a televisão ainda
estava ligada, ainda eram duas da tarde, mas quando olhou para a janela teve a
certeza de que realmente os marcianos tinham invadido a terra, o vidro da
janela estava completamente verde.
– Mãeeeee!!! - ele gritou.
Depois ele se jogou debaixo do sofá. Colocou as mãos no
rosto e esperou que os marcianos entrassem pela janela e o desintegrasse. Ele
não sabia bem o que era isso, mas devia ser algo bem ruim. Com certeza seria.
Novamente lembrou-se que era um guerreiro. Não podia se
entregar assim tão fácil. Ele resolveu lutar.
Foi rastejando até seu quarto, como um verdadeiro soldado
que vira nos filmes de guerra, com seu pai. Não havia muito tempo tinha que
lutar. Procurou no fundo da sua gaveta a baladeira que seu tio Davi tinha lhe
dado - e que sua mãe lhe proibira de
usar dentro do apartamento.
- Droga – disse ele - não posso desobedecer a minha
mãe.
Mas logo se lembrou do que seu tio Davi lhe dissera: use
somente em caso de uma grande precisão. E aquela era sem duvidas uma grande
precisão, os marcianos estavam invadindo a Terra. Era a hora do soldado João
Victor entrar em ação. Pegou a baladeira e assim como foi, voltou, rastejando
como um legítimo soldado. Seu pai ficaria orgulho dele, seu tio Davi então. Em
sua cabeça ele ouvia os barulhos da guerra, ou seria ele mesmo fazendo barulho
com a boca. Nem ele mesmo sabia, apenas que estava no calor do combate, mesmo
sem saber o que era realmente isso.
Voltou à sala. Foi até o jarro do bonsai de sua mãe e
recolheu algumas pedrinhas. Pegou mais algumas de dentro do aquário na mesinha
de canto da sala. Ele foi rastejando até se posicionar detrás do sofá.
A guerra iria começar.
Sentiu falta de seu parceiro Tavim, sem amigo que se
sentava ao seu lado na sala de aula. Certamente ele também estaria agora
lutando contra os marcianos. Ele ia adorar esmagar o inimigo.
Então começou a
sua guerra.
Os marcianos batiam na sua janela esverdeada. Certamente
queriam entrar. Nossa, eles voam, pensou João Victor. Porque só assim chegariam
ao décimo segundo andar, onde ele morava. Então colocou na baladeira uma das
pedrinhas e depois a atirou contra a janela. E outra. E outra. E depois mais
outra. E ficaria assim a tarde inteira, até acabar o seu estoque de pedrinhas,
se a Maria, a senhora que ajudava sua mãe nas tarefas de casa não tivesse
entrado na sala e visto aquela cena tão dantesca:
Ele praticando tiro ao alvo contra o vidro da janela
manchado de verde.
Claro que levou uma senhora bronca.
Nem adiantou explicar para a Maria sobre a invasão da
Terra pelos marcianos. Ela não acreditou. Nem ele, quando ela lhe disse que um
dos pintores que estava pintando o prédio deixara cair por acidente um balde de
tinta, e que essa mesma tinta tinha manchado de verde o vidro da janela do
apartamento pelo lado de fora. E pior, ele tinha dormido enquanto assistia à
televisão e confundira o sonho com a realidade.
João Victor não gostara nada de saber daquilo.
Sua decepção era tamanha.
Então ele não tinha participado de uma guerra do mundo
contra os marcianos verdes. Que aquilo tudo fora imaginação sua. E pior, que
não era um guerreiro, como disseram seu pai e seu tio Davi. Era tudo mentira.
Entristecido, fora por seu quarto e lá ficou o resto da
tarde. Emburricado. Não saiu dali nem mesmo quando a Maria batera a porta do
seu quarto e lhe dissera que tinha trazido pães quentinhos, queijo e mortadela
da padaria - ele até pensou em sair, pãozinho quente com mortadela e queijo e
tão bom, sentia até o gosto disso na sua boca,
mas preferiu manter a sua honra de cavalheiro ferido.
Quando sua mãe chegara do trabalho ela lhe deu uma senhora
bronca por ter usado a baladeira dentro de casa e porque podia ter quebrado
alguma coisa, ou ferido alguém.
Depois lhe deu um beijo no rosto e lhe mandou tomar banho
para o jantar.
O que ele fez sem demora. Afinal até os guerreiros sentem
fome.
Quando voltou à sala a janela estava completamente limpa.
Esses marcianos trabalham rápido quando querem apagar as
provas de seus crimes, pensou em dizer isso, mas guardou para si tal
pensamento.
No jantar não disse uma palavra sequer. Nem viu quando a
sua mãe fez sinal com a cabeça para que seu pai falasse com ele. Depois do jantar ele e seu pai ficaram
na janela, a mesma que estava sendo atacada por marcianos, olhando para as
luzes da cidade.
- Pai – disse João Victor.
- Diz, filho.
- Eu sou ainda um grande guerreiro?
O pai de João Victor pensou em rir, mas se conteve, o
coloco no colo e lhe disse:
- Você, claro que é. Um jovem guerreiro, que tem muito a
aprender. E na hora certa vai fazer a coisa certa. Mas no momento você é apenas
um bonito garoto de oito anos de idade que hoje lutou como ninguém.
- Contra uma janela esverdeada?
O pai de João Victor sorrindo lhe disse:
- Nunca se sabe o que existe por trás de janelas
esverdeadas, né. Pode haver realmente marcianos verdes invadindo a Terra.
João Victor sorriu pela primeira vez depois daquela
batalha à tarde.
- Então pai, eu não fiz errado em lutar? Hip!
- Não. Você lutou como ninguém. Baladeiras com pedrinhas
é que podem quebrar vidraças, já pensou, sua mãe iria ficar com uma raiva
danada, né?
- É pai, tem razão.
- Mas, tá na hora de você ir dormir que amanhã cedo tem
aula.
- Tá bom então.
Depois ele beijou o rosto de seu pai, em seguida foi até
onde sua mãe estava e deu um beijo nela também e antes de ir para o seu quarto
olhou novamente para a janela e disse baixinho:
- Mas que pareciam mesmo uma invasão de marcianos, ah,
parecia.
E antes de dormir pensara em contar tudo isso ao seu tio
Davi e, claro, ao seu grande amigo Tavim, com certeza eles ambos ficariam
orgulhosos da batalha de João Victor contra os marcianos verdes. Mesmo que o
planeta dos marcianos fosse vermelho.