segunda-feira, 26 de maio de 2014

Baladeira

            João Victor assistia na sala de sua casa, ou pensava assistir, mais um episodio repetido do pica-pau. Pensava assistir porque acordara mais cedo do que de costume para ir para a sua aula na Escolinha da Tia Lelê, por volta das três e meia da manhã, e como não conseguira mais dormir ficara deitado olhando para o teto e vendo o sol aos pouco entrar pela janela do seu quarto, juntamente com o barulho dos primeiros carros que rondavam por aquele canto da cidade. Por isso ele, quando voltou da escola, sentia mais sono que o de costume. E depois do almoço, deitou-se no sofá da sala para assistir um pouco de televisão antes de ir resolver as suas tarefas daquele dia. 
        Logo caiu no sono.
        Mas, ele foi despertado de súbito pelo barulho de sirenes, pessoas correndo, pânico por toda parte, e com o anuncio desesperado de um apresentador de televisão informando que a Terra estava sendo invadida por marcianos.
            Por medo daquilo tudo não abriu os olhos. Ficou quieto e imóvel. Atento ao que ouvia.
           João Victor sentiu-se desesperado, assim como o apresentador era o pânico em pessoa, ele também pensou em correr, mas suas pernas não saiam do lugar. Pensou em gritar, mas as palavras não saiam de sua boca. Ele sentiu-se afogado e afundando. O seu desespero se misturava ao tumulto que se instalava naquele local. Ouviu o barulho de naves espaciais de todas as formas e tamanhos chegando à Terra, pilotadas por homenzinho verdes – bom isso ele não viu, mas deduziu que os marcianos eram verdes, eram o que todos diziam sobre a aparência dos marciano. Ele sempre achara isso muito estranho, homens verdes de um planeta vermelho. Mesmo porque, pelo que ele sabia a Terra sempre foi azul e ele não conhecia ninguém azul. Algumas coisas são meio complicadas de entender, pensava sempre.
            Voltou a se concentrar na invasão dos marcianos verdes do planeta vermelho. As naves eram tantas que até o céu escureceu de repente, em plena duas horas da tarde. Pensou em sua mãe, que certamente viria o céu escuro, e acreditaria que a noite já chegara e fecharia mais cedo a sua loja de roupas lá naquela loja grande com um bocado de outras lojas dentro.
             - Oba – disse João Victor -, quem sabe ela faça macarronada pro jantar de hoje. Animou-se, afinal a invasão dos marcianos não era algo assim tão ruim.  Seu animo não durou tanto, logo se lembrou que seu pai não viria nada disso, porque estaria dando aula de matemática para uma porrada de meninos burros dentro de uma sala de aula onde ele ensinava. João Victor riu ao pensar na cena, os alunos-burros correndo como burros com suas quatro patas quando soubessem da invasão dos marcianos.
            - Era o fim do mundo mesmo - pensou.
            Novamente ele fez força para sair daquele lugar sem sucesso. Tentou se mover de um lado para o outro. Não conseguiu.
           - Será que os marcianos tinham conseguido me paralisar? Estou perdido – disse para si mesmo. Bem baixinho para ser ouvido pelos marcianos.
            Desesperou-se novamente, estava imóvel e preso aquele local.
            Mas ele era João Victor, não, ele não se entregaria fácil, fora seu pai quem ele dissera isso algumas vezes, quando lhe lançava para cima alguns anos atrás, mesmo que sua mãe reclamasse por esse ato de seu pai. Mas seu tio Davi também sempre lhe dizia a mesma coisa. Então devia ser verdade. Tio Davi não mentia. Nem seu pai. Ele, João Victor era um guerreiro, tinha que agir como um guerreiro.
         E assim, com toda a sua força e do alto dos seus um metro e dez de altura João Victor foi encontrando forças para abrir seus olhos porque os marcianos não iriam vencê-lo.
            Primeiro ele lentamente abriu os olhos, reconheceu o teto da sala do apartamento onde morava, em seguida virou-se, a televisão ainda estava ligada, ainda eram duas da tarde, mas quando olhou para a janela teve a certeza de que realmente os marcianos tinham invadido a terra, o vidro da janela estava completamente verde.
            – Mãeeeee!!! - ele gritou.
         Depois ele se jogou debaixo do sofá. Colocou as mãos no rosto e esperou que os marcianos entrassem pela janela e o desintegrasse. Ele não sabia bem o que era isso, mas devia ser algo bem ruim. Com certeza seria.
            Novamente lembrou-se que era um guerreiro. Não podia se entregar assim tão fácil. Ele resolveu lutar.
            Foi rastejando até seu quarto, como um verdadeiro soldado que vira nos filmes de guerra, com seu pai. Não havia muito tempo tinha que lutar. Procurou no fundo da sua gaveta a baladeira que seu tio Davi tinha lhe dado -  e que sua mãe lhe proibira de usar dentro do apartamento.
            - Droga – disse ele - não posso desobedecer a minha mãe. 
            Mas logo se lembrou do que seu tio Davi lhe dissera: use somente em caso de uma grande precisão. E aquela era sem duvidas uma grande precisão, os marcianos estavam invadindo a Terra. Era a hora do soldado João Victor entrar em ação. Pegou a baladeira e assim como foi, voltou, rastejando como um legítimo soldado. Seu pai ficaria orgulho dele, seu tio Davi então. Em sua cabeça ele ouvia os barulhos da guerra, ou seria ele mesmo fazendo barulho com a boca. Nem ele mesmo sabia, apenas que estava no calor do combate, mesmo sem saber o que era realmente isso.
            Voltou à sala. Foi até o jarro do bonsai de sua mãe e recolheu algumas pedrinhas. Pegou mais algumas de dentro do aquário na mesinha de canto da sala. Ele foi rastejando até se posicionar detrás do sofá.
            A guerra iria começar.
          Sentiu falta de seu parceiro Tavim, sem amigo que se sentava ao seu lado na sala de aula. Certamente ele também estaria agora lutando contra os marcianos. Ele ia adorar esmagar o inimigo.
             Então começou a sua guerra.
            Os marcianos batiam na sua janela esverdeada. Certamente queriam entrar. Nossa, eles voam, pensou João Victor. Porque só assim chegariam ao décimo segundo andar, onde ele morava. Então colocou na baladeira uma das pedrinhas e depois a atirou contra a janela. E outra. E outra. E depois mais outra. E ficaria assim a tarde inteira, até acabar o seu estoque de pedrinhas, se a Maria, a senhora que ajudava sua mãe nas tarefas de casa não tivesse entrado na sala e visto aquela cena tão dantesca:
            Ele praticando tiro ao alvo contra o vidro da janela manchado de verde.
            Claro que levou uma senhora bronca.
          Nem adiantou explicar para a Maria sobre a invasão da Terra pelos marcianos. Ela não acreditou. Nem ele, quando ela lhe disse que um dos pintores que estava pintando o prédio deixara cair por acidente um balde de tinta, e que essa mesma tinta tinha manchado de verde o vidro da janela do apartamento pelo lado de fora. E pior, ele tinha dormido enquanto assistia à televisão e confundira o sonho com a realidade.
            João Victor não gostara nada de saber daquilo.
            Sua decepção era tamanha.
          Então ele não tinha participado de uma guerra do mundo contra os marcianos verdes. Que aquilo tudo fora imaginação sua. E pior, que não era um guerreiro, como disseram seu pai e seu tio Davi. Era tudo mentira.
            Entristecido, fora por seu quarto e lá ficou o resto da tarde. Emburricado. Não saiu dali nem mesmo quando a Maria batera a porta do seu quarto e lhe dissera que tinha trazido pães quentinhos, queijo e mortadela da padaria - ele até pensou em sair, pãozinho quente com mortadela e queijo e tão bom, sentia até o gosto disso na sua boca,  mas preferiu manter a sua honra de cavalheiro ferido.
            Quando sua mãe chegara do trabalho ela lhe deu uma senhora bronca por ter usado a baladeira dentro de casa e porque podia ter quebrado alguma coisa, ou ferido alguém.
            Depois lhe deu um beijo no rosto e lhe mandou tomar banho para o jantar.
            O que ele fez sem demora. Afinal até os guerreiros sentem fome.
            Quando voltou à sala a janela estava completamente limpa.
            Esses marcianos trabalham rápido quando querem apagar as provas de seus crimes, pensou em dizer isso, mas guardou para si tal pensamento.
            No jantar não disse uma palavra sequer. Nem viu quando a sua mãe fez sinal com a cabeça para que seu pai falasse com ele. Depois do jantar ele e seu pai ficaram na janela, a mesma que estava sendo atacada por marcianos, olhando para as luzes da cidade.
            - Pai – disse João Victor.
            - Diz, filho.
            - Eu sou ainda um grande guerreiro?
            O pai de João Victor pensou em rir, mas se conteve, o coloco no colo e lhe disse:
            - Você, claro que é. Um jovem guerreiro, que tem muito a aprender. E na hora certa vai fazer a coisa certa. Mas no momento você é apenas um bonito garoto de oito anos de idade que hoje lutou como ninguém.
            - Contra uma janela esverdeada?
            O pai de João Victor sorrindo lhe disse:
            - Nunca se sabe o que existe por trás de janelas esverdeadas, né. Pode haver realmente marcianos verdes invadindo a Terra.
            João Victor sorriu pela primeira vez depois daquela batalha à tarde.
            - Então pai, eu não fiz errado em lutar? Hip!
            - Não. Você lutou como ninguém. Baladeiras com pedrinhas é que podem quebrar vidraças, já pensou, sua mãe iria ficar com uma raiva danada, né?
            - É pai, tem razão.
            - Mas, tá na hora de você ir dormir que amanhã cedo tem aula.
            - Tá bom então.
            Depois ele beijou o rosto de seu pai, em seguida foi até onde sua mãe estava e deu um beijo nela também e antes de ir para o seu quarto olhou novamente para a janela e disse baixinho:
            - Mas que pareciam mesmo uma invasão de marcianos, ah, parecia.
            E antes de dormir pensara em contar tudo isso ao seu tio Davi e, claro, ao seu grande amigo Tavim, com certeza eles ambos ficariam orgulhosos da batalha de João Victor contra os marcianos verdes. Mesmo que o planeta dos marcianos fosse vermelho.

quarta-feira, 12 de março de 2014

DENTRO DA FLORESTA DAS ÁRVORES DOS DEDOS DE ISABEL MUNIZ

FOTO: MATEUS DANTAS

Se quiser mesmo saber quem eu sou

Tem que vir onde estou,

E então, se não tentar me mudar

Talvez você seja quem consiga me levar.




Senão, deixe-me na minha casca. 

Se não percebe já tenho livros demais

E sonhos de menos.


Ficar invisível ao mundo é fácil

Voltar do escuro igual nem tanto,

Ainda me espanto com quem consegue

Porque eu não volto faz tempo


Em paz

Para casa.



quarta-feira, 18 de dezembro de 2013