sexta-feira, 15 de junho de 2007

NEUZA SOLO

Antes todos vinham, agora todos se vão. Não há mais caminho até ali apenas imensos espaços vazios e Neuza prepara o almoço de domingo sem certeza se alguém ainda venha lhe fazer companhia. O tempo passa, nada acontece.
Ela primeiro põe na mesa as 300g de farinha de trigo. Depois faz uma cavidade no meio e coloca, aos poucos os três ovos levemente batidos e a xícara de água, junta sal, misturando bem até chegar a uma massa rija. Ah, quantas vezes fez isso em tantos bons domingos. E como eram bons aqueles tempos em que a família toda se reunia. Quanta saudade. Segue a receita. Divide a massa em duas partes e então estende por igual uma de cada vez sobre a mesa com um pouco de farinha. Em seguida, coloca mais um pouco de farinha de trigo sobre a massa e começa a espalhar com a mão a massa. As lembranças descem junto com as lágrimas e se misturam com a massa de macarrão. Ela nem percebe e segue preparando o almoço de domingo. Enrola a massa e na medida certa, corta na largura ideal. Desenrola as tiras e deixa para seca em uma tábua. Tantas foram as vezes que fez isso que consegue repetir até com os olhos fechados. Um sorriso de canto de boca ilumina seu rosto, a massa está pronta.
Por onde anda seu filho predileto? Será que lembra do amor a ele devotado? As meninas como dormem e acordam? O mais novo já terá mudado o mundo? O mais rebelde dos filhos já se achou perdido? E Neuza caminha pela casa pensando que dividir é melhor ainda do que perder de vez.
Ela cozinha em água e sal o macarrão. Enquanto isso prepara o molho. Leva ao fogo uma panela com óleo. Junta depois os enroladinhos de alcatra até dourar. Sua vida passa pela sua mente. Lembra de quando sua mãe lhe ensinou a fazer a mesma macarronada, do jeito certo e com os ingredientes certos. Retira os pedacinhos de alcatra e reserva. Pica a cebola e o alho e despeja na panela. O vapor sobe e o cheiro forte perfuma a casa de saudade. Ela fecha seus olhos e agora volta ao dia em que conheceu o seu marido. Lembra de como ele era bonito e engraçado. Lembra do comentário de sua mãe sobre aquele rapaz simpático. Lembra que seus olhares se encontraram e nunca mais se perderam. Quando a cebola e o alho alouram adiciona os tomates. Lembra que no dia em que casaram choveu forte. Lembra que foi depois da formatura de ambos. Fazia tanto tempo e no entanto, tudo tão presente, mesmo com tantas ausências. Os tomates se desfazem e a massa de tomate é refugada por alguns minutos. Passa os tomates por uma peneira para retirar as peles e as sementes. Junta novamente os enroladinhos de alcatra ao molho e deixa tudo cozinhar. Tudo precisa tempo para chegar ao ponto certo.
Quando o macarrão fica pronto ela mistura com presunto picado pedaços de ovos cozidos e uma xícara de leite. Coloca então em uma travessa. Tantos almoços foram assim. O mesmo ritual. Só que antes havia o barulho das pessoas dentro de casa. Havia a música de cada um. Havia a vida dos móveis, dos pratos, dos talheres enfim, de todas as coisas que habitam uma casa. Agora só silêncio que nem o barulho dela trabalhando conseguia sufocar. Então ela despeja por cima do macarrão o molho de tomate. Polvilha com um pouco de queijo ralado e espera os convidados para o almoço de domingo.
A casa aumentou de tamanho (a poeira já nem incomoda) e há saudade do que ficou esquecido pelo caminho. Até mesmo a dor doía menos quando se tinha com quem dividi-la. Agora as lágrimas descem pelo seu rosto e se perdem no esquecimento. E Neuza serve o almoço de domingo sem esperança que alguém queira lhe trazer alegria. O tempo voa e se repete e depois se perde.
Marido, filhos, netos, vizinhos, todos ocupados vivendo suas vidas em disparada. Mas sempre atrasados. E Neuza sozinha lembrando que dividir é melhor ainda que esquecer de vez.
Antes todos vinham, agora, agora tantos vãos. E Neuza se deita na cama esperando a hora de alguém vir buscar o seu corpo frio.

Nenhum comentário: