sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A GRANDE CAIXA DOS PEQUENOS BRINQUEDOS




Minha solidão
Tem nome e sobrenome,
Mora a poucas quadras
De onde moro,
Olha pela janela
Às vezes.
Às vezes
Pensa que me ver,
Às vezes
Sabe que me viu
E quando acontece
De finalmente
Saber que me ver,
Fecha a janela,
Vai dormir.

MISS SIMPATIA PROCURA MISTER UNIVERSO PARA ENCONTRO SEM COMPROMISSO



Mas se lhe faltou
O chão
Porque reclamar
Então
Se o céu é maior
Se as nuvens apontam
A direção
Se o chão
Que diz lhe faltou
Não foi seu chão
Não foi senão
Ilusão.

COLEÇÃO PRIMAVERA-VERÃO



Olhei você,
Eu lhe vi.
Você percebeu
E se entristeceu
E deste momento
Em diante
Sabia eu
E sabia você
Já era tarde,
Tarde demais
Para um de nós
Disso tudo
Se esquecer.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

ENSAIO





Estou me vestindo de sol
E esperança.
Estou me preparando
Para quando a felicidade
Chegar
Com duas doses de cinismo,
Três dias seguidos de sol
E nenhuma gota sequer
Do sumo do limão.

[Mas por que será que não percebeu
Que o verdadeiro amor mora
Justamente naquele milésimo
Instante entre o sono
E o despertar,

Mas por que será que não percebeu?]

Estou quase pronto
Falta um prego aqui,
Outro acolá,
E mais uma pá de cal
No pretérito imperfeito
Sete palmos a baixo
Do que se entende
Chão.

[Mas por que será que não me escolheu
Para com você acompanhar
O derradeiro entardecer
Pouco antes de todo céu
Desabar,

Mas porque será quem não me escolheu?]

Estou tão bem
Que nem me reconheço mais
Punho cerrado
Durante murro em ponta de faca.
Nem a dor dói tanto como antes.
Até parece que conheço enfim
O meu tão agradado dia de sorte.

[Mas porque será que não me ouviu
Mesmo quando gritei
A plenos pulmões
Que a estrada vista da janela
Era uma estrada para dois
Com um coração apenas,

Mas por que será que não me ouviu?]

Mas, agora tudo é uma questão de tempo,
Colocar a semente na terra,
Aguar e esperar germinar,
Colocar a comida no fogo,
Me sentar e esperar cozinhar.
Tomar um cálice de tinto,
Três gramas de ácido
E nada com gosto de sal deixar
Escapar dos olhos.

É.
É isso mesmo.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

NÃO SE PODE COMPRAR AS NUVENS


Começou como passos em uma dança, dois para lá, dois para cá. Depois se tornou a minha própria caminhada. E então quando o inverno me alcançou eu já estava correndo para longe, bem longe de mim mesmo. E quando terminou, ponto final em uma página, eu tinha completado toda uma jornada. E para frente não havia mais caminho não caminhado. E eu percebi que não havia mais nada para se ver, nada além de mim mesmo.
E que eu precisava deixar partir quem para sempre desejei ficasse.
Você.
E você partiu.
Depois eu fui limpar o meu armário. Desejando que mais alguém estivesse por perto para ver o quanto do passado é necessário para se esvaziar o presente. E foi exatamente nesse intervalo entre recolher o lixo de ontem e colocá-lo do lado de fora da casa para se recolhido amanhã, que eu lamentei profundamente não ter lhe encontrado antes. Porque certamente saberia mais cedo que na gangorra são dois para os altos e baixos que fazem da vida água para se engolir melhor pílulas enormes. Um para ser o prego, o martelo e a cruz. E outro para ser o crucificado.
Ainda assim fiz em silêncio o trabalho que só eu poderia fazer. Em silêncio, mas com os pensamentos gritando. E quando o cansaço me venceu e fui dormir eu me tranquei por dentro. Mas, confesso que a saudade dos bons dias chegou de repente e não consegui evitar o momento do pesadelo do salto no nada e da queda em parte alguma.
Fraquejei. Fraquejei mesmo. E novamente desejei ser quem veio para lhe confortar, salvar o seu mundo e ser a sua outra metade. Mas aí me lembrei que nem sempre consegui saber de verdade o que diante de tudo isso era melhor para mim, ou para você. Ou mesmo, se durante o tempo que estivemos na mesma corda bamba, ao lhe ter sempre ao meu alcance, subtraí mais do que somei.
E algo mais me veio à mente nesse instante.
E se fossemos além de uma promessa de felicidade certa e se você não se lembrasse da importância de estar perto ou, se eu parasse de me lamentar tanto e se você não soubesse a diferença entre ser e parecer, ainda faria alguma diferença você saber que foi a realidade quem lançou ao chão tudo o que para nós eu sonhei?
Não, certamente não. Ainda melhor do que cruzar fronteiras é invadir o desconhecido mundo novo por alguma de suas passagens clandestinas.
Então finalmente permiti a partida do que mais queria que ficasse ao lhe deixar do lado de fora da minha casa, ao fechar as minhas portas e depois ir dormir de vez.
E agora, tanto tempo depois da última vez que nos ferimos, eu posso lhe dizer que desde então só agora tenho sonhando novamente, e tem sido mais comigo e menos com você. E quando acordo geralmente estou bem melhor, bem melhor do que antes.
Antes de ter cruzado o meu sorriso discreto com os seus pequenos, pequenos e orientais olhos castanhos.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

It is AS IF YOU WERE STILL HERE


I went to my back yard and
I ran to the end of my world and turned
And nothing that I found I was strengthened
Something I always was missing, something thatdid not quite know what.
I returned dishonored, king without a kingdom
I lay on the wet grass and rested
I closed my eyes and dreamed of nothing
Because all discouraged me, nothing I saw why.

Now I count the dead and wounded that my match
There are no winners, only losers. And I among them.
And to think it could have been different
If someone like you never would have gotten.

But you came.

And the wreckage of yesterday are still around to remember:
The crooked lines also in the warp,
And the scars are like road signs to warn me:
Writing some also confuses us.

But will never learn the lesson?
Will wither when the flowers next spring
I will act differently, or do all the same again?

I do not know, I'm like stone that is enchantedwith the sea
While some bounces on the water before sinking.

But I, I opened my arms and just hugged you.
I knew you were dangerous and still took a chance.
I lay on the ground with gunpowder and match his name scratched.
What else would you expect besides fireworks
Lit at night unaware of the joy?

Oh, the things in life have a curious way I happen
And when any one event, even banal, reminds me of you
It's as if you were so close and yet so far away from me.

But it is not.
Because it never really was.

Because I know from my garden and that ofanyone else,
Because I went to the end of the world and thebent
Because I ran into the backyard and back
Because I needed something that I found,
Because it is exactly what I am reluctant to admit
But they never existed.

É COMO SE VOCÊ AINDA ESTIVESSE AQUI




Eu fui até o meu quintal e voltei
Corri até o fim do meu mundo e dobrei
E com nada do que encontrei me animei
Algo sempre me faltava, algo que não sabia bem o que.
Eu voltei desonrado, sem reino rei
Deitei na relva molhada e descansei
Fechei meus olhos e com nada sonhei
Porque tudo me desanimava, em nada eu via o porquê.

Eu conto agora os mortos e feridos desse meu combate
Não há vencedores, só vencidos. E entre eles eu.
E pensar que tudo poderia ter sido diferente
Se alguém como você não tivesse chegado nunca.

Mas você chegou.

E os destroços de ontem ainda estão por aí a me lembrar:
As linhas tortas também nos entortam,
E as cicatrizes serão como placas na estrada a me alertar:
A escrita certa também nos confunde.

Mas será que nunca aprenderei a lição?
Será que quando murcharem as flores da próxima primavera
Eu agirei diferente ou novamente farei tudo igual?

Não sei, eu sou como pedra que se encanta com o mar
Enquanto quica sobre a água pouco antes de afundar.

Mas eu, eu abri os meus braços e apenas a você abracei.
Eu sabia que você era perigo e ainda assim me arrisquei.
No chão eu deitei a pólvora e com fósforo seu nome risquei.
Que mais se poderia esperar além de fogos de artifícios
Iluminando à noite a alegria dos desavisados?

Ah, na vida as coisas têm um jeito curioso de me acontecer
E quando um acontecimento qualquer, banal até, me lembra você
É como se ainda estivesse tão perto e tão distante de mim.

Mas não está.
Porque nunca realmente esteve.

Porque eu sei do meu jardim e o de mais ninguém,
Porque eu fui até o fim do mundo e o dobrei
Porque eu corri até o fundo do quintal e voltei
Porque o algo que me faltava não encontrei,
Por ser exatamente o que reluto em admitir
Mas jamais existiu.

sábado, 8 de outubro de 2011

CONTATOS DOS COLABORADORES

GLAUCEMBERG RODRIGUES
autor de:"Bom Dia, Boa Tarde, Boa Noite, Com Quem Falo?"
http://www.facebook.com/profile.php?id=1833226018&sk=info
http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=7988787403386345262
email:glaucem_berg@hotmail.com

MARIO OLIVEIRA
autor de "O mendigo, a igreja e a sociedade"
http://www.facebook.com/profile.php?id=503938487
http://www.orkut.com.br/Main#FullProfile?rl=pcb&uid=5997992706890066907
E-mail mario.oliveira@gmail.com

DAVID ALEXANDRE LIMA
autor de: "A Garota de Preto Ao Lado"
http://www.orkut.com.br/Main#FullProfile?rl=pcb&uid=9597886983604821340


DE CORAÇÃO AGRADEÇO
A TODOS PELA COOPERAÇÃO

CRÔNICAS COLETIVAS DO COTIDIANO - A Garota de Preto Ao Lado


Eu peguei um ônibus. Era o Parangaba-Parquelandia. Estava cansado de mais um dia de trabalho. Ela pegou o mesmo ônibus. E pelo belo vestido preto que usava, não foi difícil deduzir que estava indo para uma festa. Eram dez da noite. Muitos outros que como eu vinham do trabalho também pegaram esse mesmo ônibus.
Eu me sentei lá atrás, antes da catraca. Ela passou logo e se sentou lá na frente, perto do motorista. Depois de um tempo, olhei para ela e percebi que havia um espaço vazio ao seu lado. Paguei a passagem e mais do que depressa me desviei das pessoas e ao seu lado fui me sentar.
Ela olhou para mim por uns cinco segundos e depois olhou para a janela. Eu estava com uma vontade danada de falar com ela. E também com uma vergonha maior ainda. Ela não disse nada. Nem eu.
Um homem entrou naquele ônibus, não havia mais lugares vagos, mas ele trazia uma cadeira consigo.
- Ele é esperto. - foi o que eu disse.
Ela sorriu. E seu sorriso era lindo.
Eu senti que aquela era a oportunidade perfeita para falar alguma coisa. Então disse:
- Que horas são?
- Dez e meia. - ela me respondeu.
Que idiota, pensei comigo mesmo. Tive a chance e eu a desperdícei. Revoltado comigo mesmo resolvi me calar e me afundar de vez na minha estupidez.
Mas ela estava linda e cheirosa. E eu estava cansado e suado.
Ela era uma princesa. Eu sempre fui um ogro.
Eu precisava chamar a sua atenção de alguma forma.
Ela continuava olhando o mundo pela janela.
Eu estava doido para falar com ela, mas não sabia o que dizer.
Ela não tirava os olhos do mundo além da janela.
Eu já estava nervoso.
Comecei a cantar baixinho “Pôneis malditos!”.
Ela sorriu.
O ônibus parou no Terminal da Parangaba.
Ela já havia percebido, olhou pra mim e deu um largo sorriso.
Descemos do ônibus e seguimos na mesma direção.

Se eu queria falar alguma coisa tinha que ser naquele momento, e então fiz uma nova pergunta:
- Qual Parangaba você pega?
- Mucuripe. E você?
- João Pessoa. Tá indo pro dragão? - perguntei.
- Não. The Pub. Curtir. E você?
- Casa. Dormir. O que tá tendo lá?
- Batalha das bandas. Um mês só de heavy metal.
- Massa. Adoro heavy metal.
- Massa. Vamos então!
- Outro dia. Agora tô muito cansado. Só quero dormir.
- Tá bom. Até um dia então.
- Até.
O ônibus dela parou. Ela entrou nele.
Logo atrás veio o meu e nele eu entrei.
E dentro do meu ônibus me veio um pensamento. A princesa metaleira foi curtir e o ogro cansado de sua batalha no pântano foi dormir.
- Mas, espera ai, qual o nome dela?


ARTE: retirado de SANDMAN, de NEIL GAIMAN, desenhos de MIKE DRINGENBERG E MALCOLM JONES III
Texto: DAVID ALEXANDRE LIMA

CRÔNICAS COLETIVAS DO COTIDIANO - Eu Sou Davi



Eu disse, e ele acreditou. Podemos consertar isso. Sim podemos. Foi como eu disse. Ele ficou me observando e contabilizando os estragos da última chuva forte que caira em minha vida, enquanto eu tapava buracos no telhado de minha casa. Mas, olha só, continuei falando, onde antes só havia escuridão passa agora um raio de sol por uma fenda. Não é curioso? Ele concordou comigo, afinal não se pode contrariar a um homem que tem pregos e martelo nas mãos, vai que esteja aberta a temporada de caça aos cristãos. Mas, sei lá, às vezes isso tudo é o suficiente para nos salvar das agonias de um dia daqueles.
Ele me conhece como ninguém e também ao ranking de minhas lutas perdidas. As quais constam um desses inúmeros planos econômicos falidos que me levou quase tudo que eu tinha; três casamentos malsucedidos que me levaram o resto; a escolha errada da minha formação acadêmica; a quebra de duas empresas que eu abri e de uma que apenas gerenciava; além de duas quedas de moto e um feio acidente de carro, este último por sinal me deixou algumas cicatrizes pelo corpo e dois pinos na perna direita.
Por um tempo eu cheguei a acreditar que ele duvidava da minha capacidade de reação. Uma vez ele me disse que eu não precisava passar por tudo o que passava, bastava apenas ser menos desligado. Então eu disse, mais para tranquilizá-lo do que a mim: eu sou Davi, o rei de reino algum, o que insiste em continuar de pé e tentando acertar. E ele me respondeu: então, tá.
Algumas pessoas me consideram um completo imbecil que confunde persistência com teimosia. Mas pouco me importa a opinião alheia. Eles não vivem a vida que vivo. Eles não sentem a dor que sinto. Além do que o enterro, quando eu morrer, será o meu, e não o deles.
Mas, eu tenho razões de sobra para ser como sou. Meu pai um dia fora um dos mais xiitas dos comunistas, daqueles que não toma nem coca-cola e duvida até da existência de forças divinas. Mas quando chegara a casa dos sessenta anos e sofrera um ataque cardíaco que quase lhe derrotou, aos céus pediu perdão e desde então vai à missa todos os domingos. E até se filiou a um partido de direita. A minha mãe fora uma empregada domestica, dessas que acorda às cinco da manhã, toma dois ônibus, ganha pouco, se alimenta mal e ainda acredita em romance de novela da televisão. Essa, aliás, foi quem me ensinou que a humildade é uma grande virtude. E a ingenuidade, nem tanto. O meu único irmão fora morto por uma bala perdida que o encontrou em uma troca de tiros entre traficantes e policiais, quando saia da faculdade em que estudava. Um dos meus filhos mora com a mãe e vive agarrado ao pescoço do namorado - um branquelo arrumadinho, com pinta de machão, marrentinho, bombado e metido a skinhead. E confesso que ainda não me acostumei a vê-lo de batom preto, cabelos crespos alisados a base de chapinha, roupas coloridas e cantarolando músicas medíocres de cantoras da moda. A minha filha, que mora com a outra ex-mulher, é a única que tomou jeito na vida. Faz o último ano de Administração e vai herdar com certeza a gerencia de uma rede de supermercados do atual marido de minha ex, um velho gagá e babão, que cheira a naftalina, mas que é cheio da nota. E para mim esse casamento foi um puro e certeiro golpe do baú. Mas sei lá, cada um tem o destino que merece. Ou procura.
Então, não há como não acreditar que nada pode piorar em minha vida.
Eu olhei para o meu amigo e ele sorriu. Talvez se lembrando de alguma piada antiga. Ou da desgraça que se tornou a minha vida.
Nós nos conhecemos no bar em que batemos ponto. Quando ambos estávamos ainda na faculdade. E na ocasião eu estava matando uma aula de Cálculo 2, em plena manhã de segunda-feira. Tomávamos cervejas em mesas separadas e ouvíamos Foo Fighters. Como ele sabia de cor algumas das canções, logo puxei conversa. E como estranhos têm a virtude de em menos de cinco minutos se tornarem amigos de uma vida inteira, logo já éramos quase parentes. Ele estava esfriando a cabeça para se curar de mais uma dor de cotovelo que demorava a cicatrizar. E eu estava ali para me esquecer de uma pesada discussão por causa de pensão alimentícia com uma das minhas futuras ex-esposas. A primeira. Não demorou e já éramos parceiros de farra. E nossa amizade foi se firmando ao longo dos anos. Os quais ele pode de camarote acompanhar a novela de minha vida. E quando alguma coisa não estava muito bem em sua minha vida, eu tinha propriedade para chegar até ele e lhe dizer sorrindo: relaxe, meu amigo, se eu que sou Davi, a mais mazelada das pessoas, sobrevivi a coisas piores, qualquer pessoas no mundo também consegue.
Mas saber disso, confesso que nunca foi um conforto para ninguém. Tampouco para ele.
Hoje a tarde começou meio nublada. Algo pouco comum para um sábado. E ele passou de surpresa em minha casa escoltando a um legitimo doze anos. Esse por sinal é um mal habito que ele tem e precisa consertar com urgência: aparecer sem avisar na casa dos outros. Mas se ele avisar qual será a graça da surpresa? Ele veio me visitar com o sublime intuito de ter a minha valiosa ajudar para derrubar com ele aquele escocês. Eu sei e ele também que é péssimo quando não consegue mais se acostumar a beber sozinho, porque fica sempre faltando alguma peça no tabuleiro de seu xadrez. Mas ele logo percebeu que aquele era um momento inconveniente. Eu discutia como dois rivais de arquibancadas com a minha atual mulher. Ela, como as outras, logo iria embora. Isso era uma questão de tempo. Ambos sabíamos disso. Nós o vimos e um anestésico instantâneo se aplicou no ar. Ela fechou o rosto para ele, como quem diz: “lá se vem mais um dos seus inúteis amigos de copo”. Ele viu aquilo e fingiu que nem era com ele. Eu o cumprimentei como se não nos víssemos há décadas, com o meu sincero e perfeito sorriso de canto a canto da boca. Depois ficamos na sala enquanto a minha esposa se trancara no quarto. Minutos depois ela reapareceu com duas malas nas mãos, uma mochila nas costas e a cara de poucos-amigos. Ele concluiu que realmente tinha escolhido errado à hora de me visitar. Eu pedi licença e fui conversar com ela. Mas nada a declinou de sua decisão. E quando ela foi embora, permanecemos calados por um tempo e depois para quebrar o gelo comentei com ele a natureza selvagem das mulheres. E a minha. E depois ele ainda me ajudou a consertar algumas coisas que estavam fora do lugar em minha casa.


Depois da tempestade, eu disse a ele, é preciso sem demora recolocar o pouco que restou de volta aos seus devidos lugares. Porque, quem garante que o pouco de hoje não será o tudo de amanhã? Ele concordou comigo sem nem pestanejar, afinal não se pode contrariar a um homem que apesar de ter beijado a lona sete vezes, não ficou por muito tempo contemplando a imensidão tranquila do ringue. Mas, sei lá, às vezes isso tudo pode ser a mola propulsora para me lembrar de que nem sempre continuar tentando é mais importante do que ser vencido.

ARTE: retirado de SIN CITY de FRANK MILLER
ARTE : retirado de AKIRA de KATSUHIRO OTOMO
TEXTO: CLAUDIO ALVING

CRÔNICAS COLETIVAS DO COTIDIANO - O mendigo, a igreja e a sociedade



Mais um domingo de missa como tantos outros. Sentado naquela escadaria da catedral estava Zé Brasil, o mendigo. Seu nome na realidade não era José, este fora um adotado após tanto tempo morando na rua e mais tempo ainda depois de perder a própria identidade. Apesar de adotar um nome para si, nunca o usavam: chamavam-no de mendigo, pilantra, sem-vergonha, desocupado, maltrapilho e tantas outras alcunhas. Zé não ligava. Nos dias de missa ele colocava seu prato em um dos lances de escada, sentava no lance logo acima e gemia para os mais próximos ouvirem:
- Uma esmola, pelo amor de Deus! Uma esmola, em nome de Jesus!
Boa parte das pessoas não se comovia com aquela situação, mas como era dia de missa e era um ótimo dia para praticar a fraternidade ao próximo, muitos davam a Zé alguns trocados. Assim, o mendigo ganhava o seu pão, para os momentos de fome, e ganhava o seu circo, na figura da sua aguardente, que proporcionava o seu entretenimento em momentos de solidão.
Não havia nada de especial em Zé Brasil. Era paupérrimo e viera do interior de um estado pobre que ficava bem longe da selva de pedra em que vivia atualmente, acreditando nas promessas de um futuro melhor longe da estiagem. Ao chegar à cidade grande descobriu que as promessas não passavam de nada além de promessas. Tentara pedir dinheiro para voltar para casa, mas não recebera crédito algum. As pessoas não tinham como saber que, entre tantos mentirosos, aquele pobre homem falava a verdade. Zé ainda tinha nome nesse momento. Perdeu-o meses após, com a ajuda de incontáveis goles da cachaça que o alentava nas noites de frio. Suas memórias se esvaíram com a passagem de dias, meses, anos. Todavia, no fundo de seu âmago, Zé guardava lembranças da sua terra natal.
Naquele domingo de missa, naquela igreja, naquela escadaria, Zé decidiu dar um basta à vida de mendigo e voltar para onde nunca deveria ter saído. Voltar para seu agreste, onde não havia concreto. Decidiu parar de beber e guardar parte do que recebia para voltar para casa. Emprego não conseguiu, mas tentou conseguir. Quem empregaria um mendigo? Sem saída, Zé continuou pedindo esmola e relembrou como era difícil fazer isto sóbrio. A embriaguez borrava o olhar penoso das pessoas anteriormente.
De grão em grão, Zé conseguiu juntar todo o dinheiro. Era um dia glorioso, pensava. Correu para a estação e comprou o bilhete. Logo após o grande feito, fez o que normalmente os mendigos não fazem: voltou à sua velha escadaria e entrou na igreja para agradecer por tudo. Mas sua recepção não foi tão calorosa quanto pensou que seria.
- O que um mendigo faz aqui no meio de todos? - murmurou alguém.
- Deve vir pedir esmola junto com a coleta do dízimo. Mas que audácia! - sussurrou baixinho outra pessoa.
- Alguém deveria chamar a polícia! Este é um lugar sagrado, não um lugar para um mendigo pedir esmolas. Onde já se viu uma coisa dessas? - comentou uma terceira pessoa, desencadeando uma chuva de julgamentos em vozes baixas.
O mendigo caminhou até o meio da igreja e escolheu uma fileira com um lugar vazio. Não que importasse se aquele lugar escolhido estava vazio ou não, pois logo após a escolha todos os outros ocupantes do banco mudaram de posição, ocupando outros lugares.
Zé apreciou as figuras celestiais ornamentadas nas paredes da catedral e pôs-se a ouvir o sermão do padre. O padre separou um dos seus sermões favoritos para aquele dia, aquele que tratava sobre a importância da gentileza, do poder do amor e do respeito que os seres humanos, irmãos sob os olhares da santíssima trindade, deveriam sentir uns pelos outros. As pessoas não ligaram para o sermão daquele dia. O mendigo atraía uma atenção muito maior.
Zé Brasil é uma pessoa como tantas outras. Tem suas angústias. Tem seus medos. Tem seu orgulho. De olhos fechados, rezou e sentiu as pessoas o observando. Terminou de rezar e se dirigiu novamente ao meio da igreja. O silêncio invadiu o local e todos, inclusive o padre, prenderam a respiração e esperaram o próximo passo do mendigo.
Num giro, Zé observou todos e notou que a regra dos homens é muito diferente das regras de Deus. Levantou o dedo, fechou os olhos e gritou, em alto e bom tom:
- Seja feita a vossa vontade! Amém! – girou os calcanhares e correu para a rodoviária, se despedindo da hipocrisia da sociedade da metrópole.
Ainda hoje todos os frequentadores daquela igreja se perguntam por onde anda aquele mendigo tão singular. Alguns deles agradecem até hoje aos céus que o mendigo nunca mais voltou à igreja.

ARTE: retirado de UM CONTRATO COM DEUS de WILL EISNER
TEXTO; MARIO OLIVEIRA

CRÔNICAS COLETIVAS DO COTIDIANO - Bom dia, boa tarde, boa noite, com quem falo?



- Oi, Berg, bom dia com quem falo?
Meu dia começa quando digo esta frase. Aparentemente um dia normal e sem nenhuma preocupação, até o primeiro cliente logo de manhã já me aparecer bem estressado.
- Até que enfim alguém me atendeu! Quanta demora, hein?
- Com quem falo?
Sempre faço essa breve pergunta quando um desses me aparece.
- Marcos
- Certo, Marcos, em que posso ajudá-lo?
Em meus pensamentos só achava que aquela ligação iria durar ao menos uns dez minutos, quando me surpreendo com o pequeno problema daquele cliente, onde se tinha que fazer apenas um pequeno aprazamento de sua fatura.
- Pronto, Marcos, já abri o registro e aprazei seu vencimento por mais cindo dias para que não tenha problemas com juros e multas. - Ele agradeceu pelo rápido atendimento e desligou.
Sempre que um cliente desliga, nós, os operadores, sonhamos em ficar disponíveis, nem que seja por míseros dez segundos, mas nossa realidade é bem diferente, desliga um, aparece outro, quase sempre sem intervalo.
De ligação em ligação, rápido chega o primeiro descanso, dez minutinhos para ir ao banheiro, tomar um café, conversar ou assistir a algum programa de televisão.
- Oi, Berg, boa tarde, com quem falo?
Com esta frase começa o turno da tarde, atendendo uma pessoa bem particular.
- Boa tarde, me chamo Rafilda.
Esse é o breve momento que rimos e pensamos no porquê de um nome assim.
- Em que posso ajudar Rafilda?
- Meu filho, meu telefone esta bloqueado para celular e não pedi esse serviço.
- Entendo, aguarde um momento enquanto verifico.
Como é um procedimento simples, pois foi apenas uma falha sistêmica, essa ligação é perfeita para relaxar um pouco e até mesmo conversar com algum colega ao lado.
- Pronto, Rafilda, verifiquei que era apenas uma falha e já abri o registro de reparo, o prazo é de até vinte e quatro horas para normalizar.
- Obrigado pelo atendimento Berg.
- Eu que agradeço a sua ligação tenha uma boa tarde.

Como não poderia faltar em um dia de trabalho, à hora do lanche chega, agora tenho vinte minutos para engolir algo, tem que ser rápido, um minuto de atraso no lanche equivale a um minuto de desconto no meu contracheque.
Voltando do lanche, e já é bem próximo do turno da noite, quando crianças já chegaram da escola, sabem do que estou falando? Isso mesmo, trotes, pelo menos dois no dia tenho que receber.
- Oi, Berg, boa noite, com quem falo?
- Com o Diabo. – falou alto uma voz fina de criança.
- É mesmo? Papai-do-céu vai te buscar daqui a pouco para te levar de volta para seu lugar, tá bom?
Levo trotes como descontração e brinco também.
- Por motivo de trote, a ligação será encerrada.
Encerrado o trote, finalmente chegam os dez minutos finais do expediente. Logo pensei que nunca mais iria fazer duas horas extras por serem muito cansativas. E finalmente volto para casa tranquilo, onde penso apenas em tomar um banho e dormir, para quando acordar amanhã ocorrer tudo de novo.


Arte – retirado de WATCHMEN De ALAN MOORE – DAVE GIBBSON
Arte – retirado de AKIRA De KATSUHIRO OTOMO
TEXTO: GLAUCEMBERG RODRIGUES

CRÔNICAS COLETIVAS DO COTIDIANO

SEMPRE QUIZ TRABALHAR COM AMIGOS E ENTÃO MONTEI ESSA COLETIVAS
COM TEXTOS DE AMIGOS QUE VALEM A PENA SEREM LIDOS E SÃO ELES
GLAUCEMBERG RODRIGUES, MARIO OLIVEIRA E DAVID ALEXANDRE LIMA
SINTO-ME HONRADO EM ESTAR AO LADO DESSAS ILUSTRES E TALENTOSAS PESSOAS
AOS QUAIS AGRADEÇO A COOPERAÇÃO NESTE MEU BLOG

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

CAFÉ COM PLACEBO

(CONTO DEDICADO AO MEU GRANDE AMIGO JULIO)




Dulce é amarga.
Júlio, seu marido, ainda assim a ama. Mais até do que as reprises do desenho animado do Pica-pau, que aos fins de tarde chegam junto com o pôr-do-sol. E tanto quanto os quadrinhos dos X-Men, que depois de uma longa temporada de fascículos ruins, finalmente deram a volta por cima e os editores produziram uma série de respeito.
Dulce acha tudo isso uma tremenda bobagem e ainda não consegue entender como alguém pode torrar as suas economias com desenhos medíocres sobre papel vagabundo. E pior, ainda rir das mesmas piadas previsíveis e, segundo ela, sem a menor graça de um desenho animado idiota. E quando reclama disso, Júlio apenas rir, como se o incêndio fosse longe, na casa de seu vizinho ao lado.
Dulce sofre. Sofre como quem tem pedras pontiagudas nos rins. Mas como todos dizem, ela é saudável. Forte como gente ruim. Tanto que, segundo um comentário maldoso, ainda enterrará a todos os outros parentes. Talvez até Júlio.
Júlio é estranho. Para alguns, é um perfeito idiota. Ela grita com ele, reclama das suas manias, zomba de seu gosto musical, despreza as suas bases culturais. Ainda assim, quando Dulce não poupa uma caixa de supermercado porque errou, por míseros centavos, o troco das compras do mês; quando Dulce briga com outra “Dulce” por uma vaga no estacionamento; ou ainda, quando ela reclama que uma fila qualquer, de banco, cinema ou farmácia, não sai do lugar, Júlio apenas rir e a ela pede, com todo o carinho e calma do mundo, que se acalme, apesar de saber que isso é como um placebo ou mais outro remédio a base de farinha.
Dulce nunca teve filhos. E nunca os terá. Nasceu seca como árvore que só dar sombra. E apesar da impecável limpeza de sua casa, nenhum animal perturba a calma do lar, doce lar, dela e do seu, segundo ela, imprestável marido. Nem peixe dentro de aquário eles criam. Tampouco jardim possuem.
Eles moram desde que se casaram no térreo de um sobrado antigo, no centro da cidade. Júlio sempre quis morar em apartamento, mas Dulce sempre odiou subi escada. E mesmo quando Júlio disse a ela que os elevadores já foram inventados há décadas, ele ganhou dela uma semana inteira dormindo no sofá da sala. Para que sentisse na pele, e na coluna principalmente, que a única opinião realmente importante para ela, é a dela.
Durante os longos vinte anos em que estão casados, Dulce cogitou varias vezes voltar para a casa de seus pais. Em todas essas vezes Júlio apenas olhou para ela, sem dizer nada, mas dizendo algo como: “Você realmente quer fazer isso? Então faça.” Dulce em resposta ficava amuada por alguns dias. Júlio assistia a tudo isso como quem assiste ao leite ferver na leiteira. E antes que o leite derrame, ele olhava para Dulce e sempre dizia: “Meu bem, vamos para a cama que está ficando frio.” Dulce reclamava dele, esperneava como criança mimada, mas depois vencida pelo cansaço, e sem querer descer do salto, concordava com ele, mas só por aquela noite. No dia seguinte bem cedo, antes do primeiro galo cantar, ela iria embora. Na manhã seguinte Júlio a subornava sempre com um banquete dos deuses no café da manhã. E enquanto se alimentava Dulce nem se lembrava mais porque quis tanto ir embora.
Júlio a ama.
E Dulce não durará mais do que duas estações. Seu cisto no ovário se alastrou rapidamente para outros órgãos vizinhos. Ambos descobriram tarde o avanço da tempestade. E ambos sabem que parte do descuido é culpa da própria Dulce que nunca permitiu a outra pessoa tocá-la. A outra parte da culpa é de Júlio por não ter tomado as rédeas da situação há mais tempo.
Dulce é amarga e reclama de tudo. De tudo mesmo: do insosso do arroz, do barulho das crianças na calçada de sua casa, do frio da noite, de tudo. Até mesmo do riso de Júlio em mais um episódio repetido do Pica-pau.
Júlio permanece ao seu lado.
No entanto esta noite ele olhou para Dulce e os olhos dela estavam cheio de lágrimas. E para não a deixar mais constrangida, ele recolocou no lugar com todo o carinho, calma e delicadeza do mundo o cordão do sutiã que caia sobre o ombro dela.
Ela pensou em reclamar. Não encontrou forças.
Ele fingiu não perceber.
Ela desviou o olhar.
Ele tocou com carinho o rosto dela.
Ela se recompôs. Depois reclamou dele.
Júlio se plantou diante da televisão, segurando o choro, e rindo sem querer de mais um episódio repetido do Pica-pau.

sábado, 10 de setembro de 2011

A CASA LILÁS DA RUA SEM SAÍDA




A casa de meus pais ficava em uma rua sem saída. E era uma casa incrível. Não pelo seu tamanho. Mas porque era a nossa casa.
Tinha uma varanda com piso de azulejos brancos, e media oito metros e meio por dois metros. Ali meu pai passava as suas tardes de folga, sentado em uma das duas cadeiras de balanço, daquelas bem antigas, com tirinhas de plástico azuis e brancas. De lá, eu me lembro, meu pai lia o seu jornais ou algum livro, tomando o seu café enquanto via a minha mãe cuidando de suas hortênsias no jardim. E quando ela terminava o seu serviço, ia se sentar ao lado dele. E meu pai sempre brincava com o cheiro de terra e de planta que ela trazia do jardim. Eu me lembro de cada uma das várias vezes em que eu e minha irmã chegamos da escola e na varanda pelo menos um deles estava lá nos esperando.
O salão da casa era retangular e media seis por três metros e cinquenta centímetros. Tinha três janelas, duas delas eram voltadas para a varanda e entre essas duas existia uma porta. A terceira janela era voltada para o jardim de minha mãe. Havia ainda uma porta que dava acesso para a cozinha e duas colunas que levavam a um pequeno hall. Nessas colunas minha mãe adorava expor suas cortinas, e meu pai odiava ter que subir na escada para trocá-las.
Nesse salão aconteceram varias festas de aniversário, vários encontros entre os meus pais e os seus amigos, vários almoços e jantares. Ali minha mãe assistia às suas novelas à noite. Eu jogava o meu game com meus amigos nos fins de semana. E meu pai assistia aos jogos de futebol conosco e, de vez em quando com seus amigos. Ali também assistimos todos juntos a três Copas do Mundo. Meu pai e minha mãe a cinco. Minha irmã com eles, quatro. E só uma delas foi vencida pela nossa seleção de futebol. E fizemos a maior festa.
Na mesa de jantar eu e minha irmã fazíamos nossos deveres de casa e meu pai e minha mãe corrigiam as provas de seus alunos. Ele era professor de Matemática. Minha mãe ensinava Literatura. Não à toa tínhamos mais livros em casa do que eu e minha irmã tínhamos brinquedos.
Da sala tínhamos acesso à cozinha e ao hall. A cozinha era uma espécie de L, e a parede que tinha uma porta voltada para a sala media dois metros e quarenta centímetros. Perpendicular a esta parede havia outra que media um metro e quarenta centímetros, onde estavam pregados alguns armários, e outra parede que fechava a perninha do L, de meio metro. Deste mesmo lado existia outra parede de dois metros e quarenta centímetros, atrás desta ficava o banheiro do quarto de meus pais. Outra parede em paralelo com a primeira, de um metro e meio, e uma última que media três metros e oitenta centímetros. Esta dava acesso para a área de serviço da nossa casa, a qual media um metro e noventa por um metro e noventa centímetros. Seguindo por ai tínhamos passagem para o corredor maior localizado ao lado da nossa casa.
Na cozinha tomávamos nosso café da manhã e minha mãe adorava fazer suas macarronadas aos domingos e feijoada em um dos sábados do mês. Eu e minha irmã passamos boa parte de nossa infância naquela cozinha. Nossa mãe tirou diversas vezes licença do trabalho para cuidar melhor de nós dois. Ela arrumava a casa e cuidava de nós com a mesma atenção. Nunca tivemos empregadas e só duas vezes por semana uma diarista vinha ajudar nas tarefas de casa. Ou seja, o titulo de rainha do lar a ela caia perfeitamente bem. Porque a casa sempre estava impecável e os filhos foram muito bem criados.
Saindo da sala, havia ainda um hall de três metros e vinte por noventa centímetros. Ele dava acesso para o quatro da minha irmã, um banheiro entre os quartos, ao meu quarto e ao quarto de meus pais. Era meio que um corredor. E eu passava mais tempo ali quando precisava ir ao banheiro e minha irmã estava se embelezando dentro dele para ir vender o seu charme ou desfilar pelos corredores da nossa escola. Esse sempre foi um dos motivos das nossas inúmeras discussões, as quais eu sempre me dei mal. Ser irmão mais novo tem dessas coisas.
O quarto da minha irmã media três metros e quarenta centímetros por dois metros. E é só isso que sei dele. E isso porque meu pai me contou uma vez as suas medidas. Ela nunca me deixou entrar nele. E durante um bom tempo fiquei imaginando o que realmente acontecia lá dentro. Como vivia implicando comigo sempre acreditei que ela fosse meio bruxa e que lá dentro fazia algumas de suas bruxarias. Ela tinha duas amigas unha e carne, e estas quando vinham nos visitar - ou apenas a ela, passavam tardes inteiras trancadas. Eu ficava atrás da porta do quarto ou da janela, que era voltada para o corredor atrás de nossos quartos, tentando escutar alguma coisa do que falavam, mas só ouvia risinhos e mais risinho e nada mais. Aquele lugar sempre fora para mim um completo mistério. E continua sendo.
Entre os quartos havia um banheiro de um metro e trinta por dois metros e setenta e cinco centímetros. Ali era um excelente lugar para ler quadrinhos e tomar banhos demorados, para desespero de minha irmã. E minha alegria.
O meu quarto era menor que o da minha irmã, media dois metros e oitenta por dois metros e setenta e cinco centímetros. Ali era o meu reino. Eu tinha uma cama, um armário, um guarda-roupa, uma escrivaninha e sobre esta um computador, uma prateleira repleta de livros e historias em quadrinhos. Uma pequena estante com uma tevê e vários vídeos games. Em cima do guarda-roupa eu guardava uma bola de futebol. Em um canto da parede ficavam encostados lado a lado o meu violão e o meu skate e embaixo da cama guardava os meus tênis e sapatos. E embaixo do colchão da cama as minhas revistas e filmes pornôs. Minhas paredes eram repletas de pôsteres de minhas bandas favoritas. Não à toa Nirvana, The Beatles, Radiohead, Green Day, Titãs e Legião Urbana disputavam na tapa cada centímetro de parede. Tirá-los de lá uma vez por ano para que fosse pintado o quarto sempre me deu um trabalho danado. Apesar de todo o cuidado do mundo pedir três dos vinte pôsteres que eu tinha. Um deles, o da Legião Urbana, nunca encontrei outro igual.
Ali também eu gastei várias horas em frente à tela do meu vídeo game, enfiado nos livros de estudo ou nos clássicos americanos de Melville e Hemingway, ou em Fernando Pessoa ou Shakespeare, Hermann Hesse ou Will Eisner, Pato Donald ou Lanterna Verde. Naquele quarto eu tocava e cantava, muito mal por sinal, é verdade, She, Come Are You Are, Giz, Sonífera Ilha e I Feel Fine. E também ali fiquei dias de cama por causa de sarampo, febre ou alguma virose.
O último compartimento da casa era o quarto de meus pais, que ficava colado ao meu. Era a suíte da casa. Logo na entrada havia uma espécie de compartimento menor que media um metro e oitenta e cinco por um metro e quarenta centímetros, sendo essa segunda parede a mesma parede menor da cozinha. Nela ficava o guarda-roupa do quarto. O outro compartimento maior, uma sequencia deste, tinha uma mesma parede do meu quarto. E mais três. Uma media dois metros e noventa centímetros e ao centro tinha uma janela que estava voltada para o corredor menor. A parede seguinte media três metros e quarenta centímetros e nela ficava encostada a cama de meus pais. Ao lado da cama dois criados-mudos. No quarto havia ainda uma cômoda e uma penteadeira com um espelho, uma escrivaninha, computador em cima deste móvel e uma pequena estante com vários livros. A terceira parede media dois metros e quarenta centímetros, nela havia uma porta que dava acesso para o banheiro e este media dois metro e quarenta por um metro e trinta centímetros. Este era o canto de meus pais. E nem eu e nem minha irmã tínhamos muito acesso a ele. E quando meus pais por algum motivo queriam falar de algo sério, eles se trancavam no quarto e conversavam em baixo tom. Várias vezes eu e minha irmã tentamos escutar alguma coisa. Mas lá de dentro nós ouvíamos nossos pais nos mandando voltar para onde estávamos. E claro, nós obedecíamos.
Dois corredores levavam ao quintal da nossa casa. Um maior que media dois metros, e um menor que passava ao lado de todos os quartos e do banheiro, e media um metro e meio. Ambos mediam dez metros e quarenta e cinco centímetros, a largura dos lados da nossa casa.
O quintal media treze metros e sessenta e cinco por quatro metros. E era o canto de nós todos, igual à sala e a cozinha. Não tinha uma árvore sequer, mas lá aconteceram vários churrascos de fim de semana e algumas festas de aniversário. Era também o canto particular de cada um. Ali minha mãe estendia no varal as roupas lavadas e fazia ginástica com uma de nossas vizinhas. Meu pai volta e meia tentava consertar algum eletrodoméstico danificado, sem muito sucesso, claro, ele nascera para ensinar. Minha irmã e suas amigas pintavam as unhas umas das outras, ficavam de bate-papo e outras coisas de meninas que só as meninas entendem. E eu, eu testava acertar uma manobra nova de skate, batia bola contra a parede do quintal, lia ou tocava meu violão.
No quintal meu pai mandara construir uma churrasqueira. E depois que ele comprou uma mesa de pingue-pongue os almoços de domingo ficaram bem mais divertido. E mais perigosos para minha irmã. Volta e meia eu acidentalmente acertava uma bolinha em alguma parte de seu corpo. Principalmente na cabeça. Sem muita maldade, claro. Mas que eu adorava ser um péssimo jogador, com certeza sim.
A última parte da casa era também a primeira a ser vista. A parte da frente. Lá havia o pequeno jardim de hortênsias de minha mãe. Tinha quatro metros de profundidade, e dois metros de sua largura era uma calçada, onde meu pai estacionava o possante dele, o seu Fiat 147, que fazia muito barulho para tão pouco potência, segundo minha mãe. A outra parte tinha um gramado onde eu jogava bola contra a parede do muro da frente da casa, ficava sentado na grama tocando violão ou às vezes me deitava olhando para a noite estrelada. Esse último ato sob duros protestos de minha mãe que reclamava por não ser eu quem lavava as minhas roupas, por isso as sujava tanto.
E o jardim propriamente dito ocupava apenas uma faixa de setenta centímetros que se alongava desde o muro branco da frente da casa até o começo do corredor menor, atrás dos quartos. Não era grande coisa, mas para minha mãe era tudo. Lá ela tinha além das suas hortênsias e duas roseiras, que quase todos os dias derramavam suas pétalas vermelhas, azuis e brancas no gramado, também havia pés de capim santo, hortelã, cidreira, erva doce e babosa. Minha mãe mantinha esse cantinho seu com todo o carinho do mundo. Dedicava suas horas de folga cuidando dele, podando as roseiras, mexendo na areia, recolhendo as folhas secas que caíssem no chão. Meu pai dizia que ela parecia uma criança construindo seus castelos na areia da praia. E como castigo para esse seu comentário minha mãe pedia para ele aproveitasse que não estava fazendo nada, além de observá-la trabalhando, para cortar a grama. Claro que ele fazia isso. E por diversas vezes eles terminavam os seus serviços e ficavam sentados na grama regando as plantas. E a eles mesmos. Meu pai adorava brincar de fazer arco-íris só para mostrar ângulos exatos e explicar matemática e física para minha mãe. Ela sempre reclamava que ele estava estragando água brincando como criança, fazendo castelos de areia na praia. E ainda, em resposta à aula gratuita que antes tivera, recitava algum verso de Mario Quintana ou Cecília Meireles, uma letra de Vinicius de Moraes ou uma canção de Roberto Carlos. Ou seja, cada um defendia à sua maneira o seu queijo. E ao final havia sempre um empate técnico. Eu os olhava da janela da sala, via o que não entendia ainda, o quanto eles se amavam e eram felizes. E depois, para não os incomodar, voltava para o meu quarto e tocava violão.
E então, no ano em que meus pais pagaram a última prestação da casa, vinte anos depois do primeiro pagamento, algumas coisas aconteceram.
A primeira delas foi minha irmã que foi morar com o namorado dela, segundo meu pai, um advogadozinho de porta de cadeia. “Mas ela é adulta, tem vinte e dois anos, está no último ano da faculdade, gosta dele, o que fazer?”. Disse minha mãe. “Gosto não se discute, meu amor, lamenta-se a falta dele”. Meu pai respondeu descontente.
Depois, nosso bairro se tornou um dos mais violentos e perigosos da cidade e a insegurança passou a nos rondar.
Em seguida, a especulação imobiliária fez com que varias casas daquela região sumissem do mapa para dar lugar a prédios de arquitetura duvidosa e a condomínios fechados, protegidos por muros altos e cercas elétricas.
E por último, a pior de todas as coisas aconteceu, e foi justamente no dia do meu décimo sétimo aniversario.
O governo do Estado colocou em pratica o seu projeto arrojado, segundo este mesmo governo, de abrir nossas ruas, por conta do crescimento desgovernado da cidade e para melhor fluir o trânsito. E por umas dessas coincidências do destino a nossa casa estava freando o progresso e o crescimento da cidade. Isso porque exatamente onde ficava nossa casa e mais duas casas vizinhas, passaria uma via expressa, moderna, totalmente segura e fundamental para a modernidade da cidade.
E assim a nossa rua antes sem saída agora encontrara uma.
Meus pais e nossos vizinhos brigaram por dois longos anos para evitar que mudássemos daquele local. Mas foram vencidos pelo progresso. E por bons advogados do governo.
E então, depois de vinte e dois anos morando naquela casa tivemos que nos mudar. Um dia antes minha irmã e o advogado de porta de cadeia, agora seu marido, vieram nos ajudar nos preparativos para a mudança. Nossos vizinhos também vieram. Minha mãe preparou uma macarronada, a pior que já comi em toda a minha vida. Porque tinha o gosto insosso de saudade do que não volta mais. Durante o almoço meu pai estava compenetrado, distante e vazio. Minha mãe ao seu lado era a imagem viva da tristeza, tanto que nem em seu jardim ela vira as suas flores. Meu cunhado se manteve calado e acompanhava a minha irmã em sua dor. Eu via a tudo isso quieto, sem animo algum. Sem mim.
No dia seguinte fomos embora daquela casa. E nunca mais voltamos àquela rua, àquela vida, à nossa casa.
Com o dinheiro que meus pais receberam de indenização pela nossa casa, eles compraram um apartamento em um bairro tão distante, mais tão distante do endereço anterior, que parecia agora morarmos em outra cidade. Parecia até estratégia de guerra de quem teve o coração partido e foge para o mais longe possível dessa paixão.
Mas hoje, por um desses acasos do destino, no intervalo do trabalho para o almoço, vi a imagem pela tevê da casa de meus pais. Na verdade foi apenas uma miragem. A tal da via expressa que se propunha ser solução para um melhor fluxo do tráfego de veículos naquela área da cidade tinha se tornado um elefante branco administrativo. Isso porque naquele trecho agora era comum acontecerem assaltos a veículos e a pessoas a qualquer hora do dia. E também porque a especulação imobiliária falhara ao prever que a cidade cresceria para aquele lado. Aconteceu exatamente o oposto. Então, por conta de tanta violência e insegurança aquele local estava sendo abandonado. E agora, segundo um repórter que fazia uma matéria sobre a triste situação daquele trecho da cidade, exatamente onde ficava a casa de meus pais, o governo já pensava em desativar a tal da via expressa e incentivar a construção de um moderno conjunto habitacional naquele lugar. E desviar o foco de seus fracassos administrativos. E já pensando nas próximas eleições.
Vi aquilo tudo e fiquei pensando na nossa antiga casa. A casa lilás de muro branco. Lembrei que meu pai queria uma casa vermelha. Mas fora vencido pelo bom gosto de minha mãe. Lembrei-me de suas medidas, cada uma delas, centímetro por centímetros, porque nas vezes em que eu e meu pai ficávamos sentados na varanda, ele sempre me dizia todas elas, de cada um de seus vãos. Depois ele me contava os detalhes da reforma que fizera na casa e que esta mesma se iniciou quando souberam que eu estava para vir ao mundo. E que pouco antes do meu nascimento a casa ficara como ele queria. E como eu a conheci.
Agora já eram contados seis longos e difíceis anos desde que nos mudamos. E estávamos muito bem estalados no terceiro andar de um confortável edifício. Pouco falávamos da antiga casa, ou quase nada. Evitando mexer na ferida.
E então quando cheguei à noite nesse apartamento, pensei em contar o que vira na tevê aos meus pais. Minha mãe regava um jarro de hortênsias na varanda. Meu pai corrigia algumas provas de seus alunos, sentado no sofá.
Olhei para eles.
Eles me saudaram.
Minha mãe, sempre esperta como são as mães, logo me perguntou se eu estava bem.
Meu pai olhou para mim e disse que eu parecia meio abatido.
Eu lhes disse que o dia fora duro no meu trabalho.
Minha mãe não quis se intrometer em minha vida. Mesmo sabendo que eu não estava bem, olhou nos meus olhos, sorriu e me avisou que o jantar estaria pronto em vinte minutos. Depois mandou que eu fosse tomar o meu banho e me arrumasse porque minha irmã, o marido dela e a filhinha deles viriam jantar conosco naquela noite.
Olhei para ela e para meu pai e preferir não incomodá-los falando sobre nossa antiga casa. Sobre o quanto ela fora importante para nós todos. Fui para o meu quarto tocar de olhos fechados In My Life, dos Beatles, no meu violão, antes de ir tomar meu banho e me arrumar para o jantar.

sábado, 3 de setembro de 2011

VIDA QUE SEGUE



A verdade é que você se foi
E a vida segue mesmo que eu não queira.

A verdade é que tenho que me acostumar
Com a perda do caminho,
Você não volta mais seu olhar para o meu lugar.

A verdade é que tenho de parar de pintar
De preto meus cabelos brancos,
Você nem vai se importar se não ficar bem ao seu olhar.

A verdade é que tenho que ter coragem
Para deixar o passado no passado,
Nem mesmo você mora mais naquele tempo que nos perdemos.

A verdade é que tenho que me contentar
Com o silêncio como melodia,
Você não vai mudar sem modo de pensar para me agradar.

Mas, preferiria continuar acreditando
Na mentira de ainda conseguir voltar o tempo
Bem no instante em que éramos um apenas.

É pena, não posso mais
E a vida segue mesmo que eu não tenha morrido.



MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL



Tanto que tentei falar
Cansado de tanto escutar.
Tanto que ninguém ligou.
Tanto que decidi viajar

Para longe desse insensato mundo
Para onde eu fosse mais do que nada.

E você me visse mesmo com olhos fechados.
E você me quisesse mesmo que aos pedaços.

Quem disse que nunca existi
Foi quem nunca me ouviu gritar.

Mas, como alguém pode querer
Qu´eu desaparecesse de vez
Se nunca me viu de verdade?
Como alguém pode?

Tudo bem. Agora estou longe
Desse insensato mundo.
Ao menos, estou onde
Me sinto mais do que nada.




PEQUENOS MILAGRES


Um centavo em meu caminho
Tirei a sorte grande,
Faça chuva, faça sol,
Nada me deprime.

Quando você passar vai me dizer
Que podemos dar uma volta,
Nos conhecer melhor e nos perder
Depois de saber o que desgasta.

E vai ser bom não ter sido mal
Mas vai ser por mal querer ser bom.
Ao menos alguém me ouvirá e dirá:
Algo me redime.

Mas, um centavo não comprar nada,
Devolvo ao chão portanto.
Daqui não saio, daqui ninguém me tira,
Nada mentira.

EI MANO, VOCÊ CONSEGUE ME OUVIR?


Ninguém viu o muro
E o muro estava no nosso caminho.
O muro alto a nos lembrar,
Nem tudo é assim, azul marinho.

O muro alto a nos lembrar,
Que nós, justo nós, perdemos a guerra.

Ei Mano, você consegue me ouvir?
Porque eu só ouço o som das lágrimas
Caindo feito chuva no frio chão.

Ei Mano, você consegue entender
Porquê nós, justo nós, morremos na guerra?

Ei Mano, grite alto por favor,
Não quero ouvir os fogos da vitória
Me lembrando, que nós, justo nós, perdemos a guerra.

Maldito mundo.
Maldito muro alto no nosso caminho.
Muro alto a nos apagar
De tudo que é assim, azul marinho.

Ei Mano, você consegue me ouvir?
Porque eu só ouço sangue nas lágrimas
Caídas feito chuva no vazio chão.

Ei Mano, você consegue perceber
Que os sonhos logo eles caíram por terra?

Ei Mano, você consegue me ouvir?
Então não espere sentido nisso tudo.



quinta-feira, 1 de setembro de 2011

“SELVAGEM”



Antes de hoje aquele índio nunca ouvira falar de NIKE COCA-COLA McDONALDS FERRARI CHANEL LEVI´S MERCEDES-BENZ AAS MALBORO PROZAC VIAGRA JONNIE WALKER IBM ARMANI LEGO ROLEX PLAYSTATION RAY BAN MASTERCARD BOTOX BIC BUSH SADAN HUSSEIN FIDEL CASTRO HITLER JFK CRISTO BIN LADEN CHE GUEVARRA LADY DIANA FREUD EISTEIN ELIZABETH II JOÃO PAULO II JACKLINE KENNEDY MANDELA ARAFAT BUFALO BILL GATES MIKE TISON PICASSO GANDHI ONU CNN NASA FIFA OLP OVNI GLS G7 FMI KKK OTAN FBI DNA ETA INTERNET AIDS CIA TNT MTV IRA FOME GANÂNCIA TERRORISMO GUERRA RACISMO PRECONCEITO MISÉRIA ESTUPIDEZ TORTURA POBREZA INJUSTIÇA ABANDONO PROSTITUIÇÃO GENOCÍDIO CENSURA REPRESSÃO VIOLÊNCIA DESEMPREGO ESCRAVIDÃO REBELIÃO MADONNA THE BEATLES MICHAEL JACKSON ELVIS JAMES DEAN TARANTINO KURT KOBAIN PAULO COELHO BONO VOX PELÉ GISELE BÜNDCHEN TOM CRUISE SPILBERG ANDY WARHOL STONES OASIS BILL CLINTON MARLON BRANDO TOM HANKS SINATRA MATRIX MICKEY MOUSE DARTH VADER DRÁCULA PETER PAN THE SIMPSONS MONALISA HARRY POTTER DR. SPOCK INDIANA JONES LOLITA CIDADÃO KANE PINÓQUIO SUPER MAN WILLY WONKA E.T. GAROTA DE IPANEMA TOM & JERRY HOMEM-ARANHA BRANCA DE NEVE ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS CHAVES BÍBLIA DOWN JONES CRUZ VERMELHA AL QAEDA PALAVRAS CRUZADAS ORKUT HOLLYWOOD GREEN PEACE COCAÍNA CAMISINHA DE VÊNUS TATTOO HIGH SOCIETY BANG-BANG SEX SHOP NIRVANA RAVE HOMO SAPIEN PAPARAZZI DÓLAR BIG APPLE ANTRAX ANDRÓIDE PETRÓLEO GUINESS FAVELA PIZZA SILICONE ECSTASY TÁXI BONECA INFLÁVEL ÉBOLA CELULAR BRODWAY NOBEL SHOPPING CENTER OSCAR HIGH TECH GELADEIRA HOT DOG ANIME VÍDEO CONFERÊNCIA MARIJUANA PIPOCA PESTICÍDA H2O E=MC2 DVD HI FI iPAD DDD 666 CD PC $ e-mail @ SOLIDARIEDADE PAZ COMPAIXÃO TOLERÂNCIA FELICIDADE LIBERDADE AMOR SEGURANÇA BONDADE BOA VONTADE LEALDADE GARRA TALENTO IGUALDADE AMIZADE IRMANDADE FÉ ALEGRIA VIDA ESPERANÇA, no entanto, depois de hoje e apesar de tudo, ele continuou como se nada tivesse lhe acontecido.





sábado, 27 de agosto de 2011

AGRIDOCE SINFONIA DA VIDA




Ele chega. Outra cidade ficou no seu retrovisor. A próxima está a vinte e dois quilômetros. E a seguinte a dez quilômetros desta. Ambas não sabem de suas dores.
E não precisam saber.
Ele tem o talento que todo grande músico tem. E os que não são músicos pagam para lhe ver tocar. E a sua guitarra, uma Fender da cor de marfim, é a sua única e fiel companheira. E quando a segura, ele faz isso como quem empunha uma espada pronta para a guerra e sabe como ninguém tocar a sua canção.
A música eletrônica para. Agora é a vez dele.
- Toca Raul. – grita alguém da última fileira de mesas, junto á porta. Erguendo para o alto o próximo pedaço de pizza em um garfo. Ainda com o pedaço anterior na boca.
- Toca Guns – pede outro, na mesa do canto esquerdo ao palco improvisado.
- Sabe tocar Lady Gaga? – pergunta um rapaz trajando roupas com berrantes cores primárias e óculos escuros com armação branca. Na segunda fileira de mesas, em frente ao palco.
- Toca Hey Ho Let’s Go, meu chapa. – grita um rapaz, trajando preto. Na mesa localizada no canto esquerdo do palco.
Na estrada ele está sempre com seus pensamentos. No palco ele não pensa, ele apenas é por duas horas e algumas doses de qualquer bebida Eric Clapton, Jeff Beck, Mark Knopfler, Jimi Hendrix, David Gilmour ou Muddy Waters. Nesses instantes mágicos ele sente o que eles sentiram. E mais nada.
Mas, ele já percebeu que naquele fim de mundo não precisa ser nada parecido com os mestres. Então resolveu não os difamar.
- Toca aquela que toca na rádio. – pede aos berros uma mulher malvestida.
- Toca aquele tema da novela. Ah, por favor, toca, vai. – uma garota na primeira mesa, diante do palco pede, tão delicadamente, que ele não tem como negar o pedido dela.
Se as pessoas a sua frente lessem seus pensamentos certamente ouviriam: “seus porcos, eu poderia lhes mostrar as pérolas que tenho, mas já que querem farelos, farelos terão.”
- Boa noite, - diz ele, - é muito bom estar aqui nessa cidade encantadora, tão cheia de gente bonita, educada e bastante receptiva. – parou um instante, ajeitou o microfone e depois continuou falando. – É uma honra para mim hoje tocar para vocês. E por conta disso eu garanto que vou tocar tudo o que me pediram. Então, divirtam-se.
E quando começou a tocar ele se apagou de si mesmo para dar vida ao intérprete das dores alheias, naquele típico restaurante de cidade no meio do nada. Perto de coisa alguma. Cidade que logo esquecera o nome. E um dia nem se lembrará que ali esteve.
Duas horas depois, quando a música eletrônica voltou a tocar, ele colocou o que ganhou no bolso e seu instrumento de trabalho devolveu a sua gaveta de descanso. E voltou a ser apenas ele mesmo. Com suas dores e defeitos. E uma estrada para seguir.
E quando amanheceu ele partiu.
A cidade agora é um passado distante em seu retrovisor. A próxima cidade já está a menos de dez quilômetros. E a seguinte a dez quilômetros desta. Ambas estão a sua espera. Cada uma delas com as suas dores.
Dores que não precisam saber que também ele sente.



O SORRISO DE ANDRÉ




Eu me coloco diante do meu pôr-do-sol, preparo as minhas armas e o observo se aproximando. Todo dia a mesma rotina. Todo dia da mesma forma.
Mas ele fica lá, sorrindo, despreocupado, zombando de mim, Não dá um passo além. Não dá um passo atrás.
E a noite nunca chega.
Eu me desaponto diante dessa minha fraqueza, engulo a minha raiva e o observo se afastando. Todo dia a mesma jornada. Todo dia da mesma forma.
E assim como quem espera pelo inimigo que nunca chega, nunca ataca e parece sequer existir, sinto a ferrugem fazer profundas cicatrizes em minha espada. Vejo o vento rasgar lentamente insígnias de minha bandeira. E deixo o desânimo horizontar a segurança do meu escudo.
Então me ajoelho e rezo para que ele avance contra mim, não pare no tempo e venha. Não mais humilhe minha coragem e venha. Venha logo e com ele traga também todo o escuro. Venha e leve de uma vez por todas a minha vida ou pereça enfim sob meu sabre.
Mas, não há um passo alem. Não há um passo atrás e novamente outra noite não chega.
E novamente desapontado, mas firme na ciência da repetição das horas, eu me coloco diante do meu pôr-do-sol, preparo as minhas armas e o observo se aproximando. Para mais um dia da mesma rotina. Para mais um dia da mesma espera de um amanhã que nunca, nunca chega.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

IMAGINE E ENTENDERÁ




Quando penso no meu amor por você,
vou às lágrimas,
Quando lembro que o meu amor por você
nasceu de um sorriso,
porque foi o primeiro sorriso de uma criança
Que depois de acamada por semanas,
Ao sair de casa pisou a grama verde e molhada
Pelo orvalho deixado durante a noite do dia anterior.
Por isso não há erro no norte de minha bússola,
Ela nunca esteve tão certa ao me mostrar uma direção,
Posso lhe olhar em silêncio, por instantes intermináveis,
Como quem lamenta as inúmeras cruzes na estrada,
Ainda assim jamais me cansarei de lhe olhar, olhar e olhar,
Posto que, apenas encontrei em você o que chamo minha poesia.

SOBRE SEUS DEUSES E MEUS MONSTROS




Fui eu quem criou a noite para nós,
Fui eu quem não conseguiu mais descansar
Pensando em como guardaria minha criatura.

E também, fui eu quem criou você para mim,
Assim da maneira como imaginei,
Assim, com os olhos meus,
Não os seus.

A tudo isso eu criei dessa maneira,
Porque foi assim que aprendi a fazer.

Mas eis que você veio e me disse
Que além das cercas farpada havia os jardins
Que sempre desejara encontrar.
E me disse mais ainda,
Que apenas lá brilhava um sol diferente,
Um sol que sempre desejara encontrar.

Mas como? Eu pensei.
Mas como? Eu perguntei.
Mas como saberia desses tais jardins
E desse tal sol além da noite que criei,
Se antes da sua existência fonema
Você nada sabia sobre coisa alguma?

E sem respostas você ficou.
E sem palavras me deixou.

E mesmo assim você se foi,
E ao amanhecer, a noite também,

E assim continuei,
Com a certeza de ter sido feliz
Nos instantes antes de acordar
Não conseguir mais criar
Coisa alguma.

BALADA PARA BLANCO & CACAU



Se lá fora a razão solta confetes
Por dentro é sua ausência que me entristece
Mas se noves fora nada, é isso o que você quer
Que mais posso eu dizer alem de: pode ir.
O amor é diferente de outras drogas,
Não tem prazo de validade, não se encomenda,
Não tem noção do ridículo, não se encomenda
Porque o amor é o ultimo biscoito do pacote.
O amor é nada diferente de outras doenças,
Não tem manual de instrução, não se aprende,
Não tem carta de navegação, não se entende,
Porque o amor é a última coca-cola do deserto.
Às vezes a gente bate e bate a porta e a casa está vazia.
Às vezes a gente anda e anda e anda e não chega a parte alguma
Às vezes a gente fala e fala e fala e o silêncio é quem diz tudo.
Às vezes a gente luta e luta e luta e vai a lona por nocaute.
Por isso tudo, preciso aprender a viver
O resto da minha vida sem você.

TRÊS MINUTOS OU O INTERVALO DE UMA MÚSICA



O trem atrasado rasgando a noite levou meu sono, não consigo mais sonhar. Lágrima na chuva é paisagem na janela, acima das nuvens o céu tem mais estrelas. Terra dos Homens é bom lugar para se viver, a semente do vento é tempestade.
O gelo dos atos apagou o fogo, solidão é agora o nome do jogo. E na fila de espera, dentro de gavetas, na concha de retalhos. E na página virada, embaixo de tapetes, no álbum de fotografias, é você quem mais me esquece. È você quem nunca volta.
Meu desejo colocou na estrada placas de contramão e apenas você foi quem não as viu. E apenas você foi quem não ouviu o som da porta batendo quando tudo passou, quando tudo se tornou página virada.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

DECLÍNIO E QUEDA DO IMPERIO ROMANO




- Senhor, senhor, posso andar no seu skate? - perguntou-me um garoto moreno que tinha por volta dos seus doze anos de idade, enquanto eu estava na praça, encostado na grade de proteção da quadra de esportes do meu bairro, olhando os novos skatistas que faziam manobras sobre alguns obstáculos no meio da quadra.
Eu os observava enquanto resolvia se andaria ou não com eles.
- Senhor, senhor, posso? – insistia o garoto.
Eles eram bons. E nada originais. Esforçavam-se demais para ser extraordinários e, no entanto, a cada manobra mais e mais se pareciam com uma readaptação, um tanto perfeita demais, de vários vídeos de skate, cena por cena, do Tony Hawk, Rodney Mullen, Boy George ou de qualquer outro skatista realmente genial. Devem ter rebobinado tantas vezes as velhas fitas VHS ou, o agora tal comum, devem ter baixado direto do Youtube, de modo que aprenderam direitinho. Confesso que era bonito de ver como eles passavam sobre as rampas e deslizavam pelo corrimão. No entanto nada ali era inovador. E ninguém entre aqueles novos desafiadores de ondas duras procurava realmente ser criativo ao enfrentar as dificuldades de execução das manobras. Havia, é verdade, certa beleza naquilo tudo. Mas um tipo de beleza que de tanto ser vista logo se torna enfadonha. E no fundo eu sabia que não havia nada demais neles. Nada que encantasse a um Bob Burnquist ou a Lincoln Ueda da vida.
- Senhor, senhor, posso? – eu ouvia sem escutar a insistência do garoto.
Andar de skate é uma sensação única. Só quem anda ou andou sabe realmente como é. Não é como surfar, tampouco descer duna ou montanha sobre uma prancha ou esqui. Não, é uma sensação única. Sem valor porque não tem preço. E eu durante um bom tempo andei com skate emprestado. E eu era um bocado chato quando pedia aos skatistas que me deixassem dar uma voltinha que fosse. E quando não me deixavam sequer pegar no skate deles, fazia alguma espécie de terrorismo.
Ao fim de uma sessão de vinte minutos, por mais básica e simples que ela seja, o skatista está cansado e precisando repor as energias com algum liquido. Geralmente nas praças nunca se encontra um bebedouro por perto. E eu na minha ânsia de andar, e sabedor que ninguém me emprestaria um skate à toa, sempre levava uma garrafinha de água comigo. Assim a minha água era a minha moeda de troca. Uma espécie de bilhete para eu brincar em qualquer brinquedo do parque de diversões. E dessa maneira eu andava e aproveitava cada um dos segundos dos minutos que eu tinha um skate a minha disposição. Porque andar de skate é uma sensação única, sem valor porque não tem preço. E aqueles skatistas não sabiam disso por isso me vendiam um passeio por alguns goles d’água.
- Senhor...
Eu comecei a andar realmente quando fiz quinze anos de idade, quando comprei meu primeiro skate. Na minha casa dinheiro sempre foi uma mercadoria em falta no supermercado da minha vida. E por conta disso sempre alternei períodos em que morava na casa de meus tios e na casa de meus pais. Eu estudava no centro da cidade, em uma escola particular graças a uma bolsa de estudo integral que minha tia conseguira a duras penas para mim. E para conseguir comprar meu skate economizei todo e qualquer o dinheiro que eu ganhasse. Desde o dinheiro da merenda na escola, o da passagem de ônibus e alguns trocados que meu tio me dava quando eu o ajudava na venda de pipoca nos fins de semana. E também vendendo alguns quadrinhos que eu tinha para meus amigos que eram loucos para tê-los. E então, em uma bela quinta-feira, acabei comprando meu único skate, um magnífico Birdhouse vermelho, que me custou o que já mencionei e mais uma ajudinha de minha tia. Ela percebeu o quanto eu queria aquele meu objeto do desejo, ao ver o meu aborrecimento em uma tarde em que não consegui andar de skate e me tranquei chateado no meu quarto.
Dessa maneira eu juntei uma pequena fortuna para comprar um skate de segunda mão, e isso porque um conhecido meu estava precisando de dinheiro urgente. Ele engravidara uma namorada sua, iriam morar juntos, trabalhar dois expedientes, estudar à noite e o seu skate certamente ficaria abandonado em um canto qualquer de sua nova casa. Em situação normal ele nunca venderia o seu skate. Era tão fascinado por andar quanto eu. Mas “o destino é inexorável”. E assim, por conta de um descuido seu, aquele skate veio morar comigo.
Então eu tinha um skate.
E eu o levava para onde eu fosse. Desde a escola até a praia. Sim a praia. Apesar de ter morado por toda a minha vida em uma cidade litorânea nunca aprendi a nadar. Meus amigos iam surfar e eu ficava na areia, deitado com a cabeça encostada na base do meu skate. Eu sabia que isso era motivo de piada entre os meus amigos, mas isso pouco me importava.
Apesar de ser skatista e ter um skate, como skatista nunca foi lá grande coisa, mas acertava algumas manobras básicas e outras um tanto difíceis. Nos dias mais felizes eu fazia com quase perfeição um backside, grub e às vezes até um kirkflip. No entanto, nos dias normais, eu voltava ao normal e errava feio até uma das manobras mais fáceis do mundo, o ollie. Essa minha inconstância me fizeram alvo constante da gozação entre os skatistas que me conheciam. E isso acabou por me distanciar cada vez mais e mais de qualquer grupinho. E me fazendo preferir andar sozinho. Livre. Eu, meu skate, minha mochila nas costas, meu tênis Qix preto - com um silvertape no detalhe, jeans geralmente com a barra se desfazendo por conta da lixa, alguma camisa vermelha, Green Day no headphone, o asfalto e o mundo inteiro ao meu dispor.
Nunca participei de nenhum campeonato. Nunca me esforcei para acertar alguma manobra difícil. E nunca me importei com isso. Eu era apenas um skatista como outro qualquer. Sempre andei por andar. Pelo prazer de sentir no rosto o vento vindo na contramão, na descida de uma ladeira. Pelo prazer de abri meus braços e me equilibrar sobre meu skate e me deixar escorregar, ouvindo o som das rodinhas riscando a chão. E isso para mim sempre foi o suficiente. Surfar na onda dura.
Hoje há varias manobras de skate que não consigo mais fazer. 180º, kirkflip, hardflip estão entre elas. Pior ainda, nos meus dias mais complicados nem um ollie, a mais simples das manobras, faço direito.
E isso tem uma razão.
Das inúmeras vezes em que caí e quebrei alguma parte do meu corpo, três delas foram por causa do skate. Nessas quedas a minha mão esquerda foi à vítima. Sendo que na última vez o médico que me engessou a mão disse algumas duras verdade para mim. Ele “sugeriu” que, como eu não tinha mais quinze anos, eu deixasse de andar de um lado para outro em cima de uma pranchinha sobre quatro rodinhas; que eu deixasse essa brincadeira de adolescente de lado e me dedicasse a uma corridinha leve de trinta minutos, ou coisas do tipo. Ele me disse isso de uma maneira tão dura, algo como: “faça isso ou perca a mão”. Puro terrorismo, eu sei, mas desde então aprendi que não importa o que é dito e sim a maneira como isso é feito. E pior, quem lhe diz isso. De alguma maneira isso serviu mesmo para que eu olhasse para outros lados.
E nada do que eu vi me agradou muito naquela época.
Deste dia em diante fui menos skatista do que qualquer um que eu conhecera, os que andavam como eu, os amadores. Deste dia em diante, posso dizer, já não fui mais um skatista. Digo isso porque a partir daí percebi que ao colocar meu skate no asfalto e ao me preparar para subir em cima dele, eu adquirira o medo de cair e de me machucar. E isso para um skatista é o fim. Um skatista não pode ter medo de cair e se machucar, porque isso é tão natural quando respirar, comer, dormir e tudo mais que nos mantém vivos.
Ainda assim continuei andando, mais por teimosia do que por qualquer outro motivo. Com menos pressa e com muito mais cuidado. E o skate, menos que uma diversão passou a ser, e foi por um bom tempo, uma tela empoeirada na parede da minha casa.
Até que hoje eu tirei esse quadro da parede e resolvi enfrentar novamente a mesma quadra que tempos atrás eu implorava para conseguir um skate para dar uma volta que fosse. E a quadra continuava como sempre estivera. Cheia de skatista de diversas idades. E havia sim lugar para eles todos ali. Para eles sim. Para mim, não. Eu olhava aquele universo e me sentia estranho a ele. Um total estrangeiro. E um ridículo homem de meia idade, segurando um skate velho vermelho. Velho e com alguns arranhões pelo corpo.
- Senhor, senhor, posso andar no seu skate? - perguntou-me um garoto moreno que tinha por volta dos doze anos de idade, enquanto eu estava na praça, encostado na grade de proteção da quadra de esportes do meu bairro, olhando os novos skatistas que faziam manobras sobre alguns obstáculos no meio da quadra. Eu os observava enquanto resolvia se andaria ou não com eles.
- Senhor, senhor, posso? – insistia o garoto.
Eu olhei para o garoto. E antes que ele me fizesse mais uma vez a mesma pergunta que me fizera nos últimos vinte minutos eu disse:
- Não.
- Não posso senhor? – perguntou-me ele desanimado, quase que caindo no choro.
- Não garoto.
- Tudo bem então. – ele disse isso e foi se afastando de mim, desolado, triste e derrotado.
Eu o chamei de volta. Exatamente porque me vi nele. E porque não me vi mais naquele mundo.
- Não, garoto, - eu disse, - eu não posso lhe emprestar meu skate. Mas pode ficar com ele.
Depois eu coloquei o meu skate no chão e dei um leve empurrãozinho para que este chegasse até onde o garoto estava. E antes que o skate chegasse aonde o garoto estava eu me virei e fui andando o mais rápido que pudesse para longe daquele lugar que um dia fora a minha casa.

domingo, 10 de julho de 2011

SATÉLITE

Quase todos ainda não são todos faltam tantos ainda PARATODOS.

Quase centro ainda não chegou ao centro falta mais ainda EPICENTRO.

Quase bom ainda não ficou bom falta muito ainda para o BOOM.

Quase andar ainda não saiu do lugar falta tanto ainda por ANDAR.

Passa dia, chega noite e sempre o mesmo dia, mesma noite
E o amanhã nunca chega
Acaba vida, vem a morte e sempre a velha dor é a mesma dor
E o amanhã nunca chega

Quase fundo ainda não chegou ao fundo falta algo mais PROFUNDO.

Quase certo ainda não ficou bem certo falta o mundo ainda estar CERTO.

Quase terra ainda não se tem terra falta reforma ainda na TERRA.

E quase amar ainda não é amar falta dor ainda PARAMAR.

VIDA QUE SEGUE

A verdade é que você se foi
E a vida segue mesmo que eu não queira.

A verdade é que tenho que me acostumar
Com a perda do caminho,
Você não volta mais seu olhar para o meu lugar.

A verdade é que tenho de parar de pintar
De preto meus cabelos brancos,
Você nem vai se importar se não ficar bem ao seu olhar.

A verdade é que tenho que ter coragem
Para deixar o passado no passado,
Nem mesmo você mora mais naquele tempo que nos perdemos.

A verdade é que tenho que me contentar
Com o silêncio como melodia,
Você não vai mudar sem modo de pensar para me agradar.

Mas, preferiria continuar acreditando
Na mentira de ainda conseguir voltar o tempo
Bem no instante em que éramos um apenas.

É pena, não posso mais
E a vida segue mesmo que eu não tenha morrido.

sábado, 28 de maio de 2011

contos do livro
para sempre nos campos de morango

SUÍTE MELANCÓLICA Nº :1 PARA UM HOMEM QUE APARENTEMENTE TEM TUDO

Entre uma dose e outra de cachaça dois bêbados debatiam sobre as ironias da vida. Até aquele momento nada de relevante fora digno de registro. Seguiria assim por mais tempo se o mais sóbrio não elevasse o nível da conversa.
- Mas afinal, o que falta para um homem que aparentemente tem tudo?
- O conceito do que é tudo e do que é nada é muito relativo, não acha? Apesar de todas as pessoas serem iguais em diversos aspectos, o que as tornam diferente é, única e exclusivamente, uma questão de logística social.
- Então o que nos torna tão iguais? Diferentes? Sei lá, estou ficando confuso.
- A solidão.
- Isso responde a minha primeira pergunta?
- Talvez.
- Sei.
- Ter algo só faz sentido para quem existe de fato e de direito. E existir consiste em ter consciência de que ninguém tem nada na vida, nem sua própria vida. Assim sendo, ter significa não ter, posto que nada nos pertence. Ou seja, até aí somos solitários.
- Exato. Acho que sim. Sei lá, estou ainda mais confuso.
- Acalme-se. Tudo sempre se resolve.
- E o resto?
- O resto é uma vaga possibilidade. Possibilidade, claro, de ser feliz.
Houve silêncio depois disso. Eles sabiam que de alguma maneira o fato de não terem riqueza alguma poderia significar que tinham mais do que outros. Brindaram a este fato com outra dose seca e quente de cachaça. Depois voltaram a debater sobre outras ironias da vida menos importantes.

METRÔ RETRÔ

Às vezes, só às vezes, quando o barulho da cidade silencia e é possível ouvir os próprios passos, eu consigo estar com você no mesmo tempo e lugar. Então posso dizer sem medo de errar ou ofender, que sentimos algo bem parecido.
Você vem e fica com as pessoas do lugar. Divide com elas o pouco que tem. Conversa sobre as coisas da vida. Recorda-se de outros que se foram em um passado recente. Sente-se em casa e parte de uma família. Olha para todos os lugares e de repente, para lugar nenhum. Tudo bem e perfeito, tudo infinitamente azul. Tanto que ninguém pensaria em solidão. Ninguém.
Você até observa mais atentamente as luzes das casas apagadas por pessoas que acesas assistem a vidas parecidas com a delas pela televisão. Encanta-se por ver ao longe o movimento de crianças inocentes e inocentes ao momento, brincando em seus parques. Sorrir com um resto de chuva molhando flores de um jardim. Pensa em tudo isso seguindo seu curso normal de segunda-terça-quarta-quinta-sexta-sábado-domingo. E também, que ninguém pensaria em solidão, a sua solidão.
Mas, eu conheço a sua dor, sei o que tem passado para escondê-la dentro da alma. Sei o que tem feito para negá-la a si mesmo. Porque ela se parece tanto com a minha. Quem sabe até sejam a mesma. No entanto, não há nada que se possa fazer além de se lembrar de como tudo era, tentando nunca esquecer no que se tornou. Não há nada que se possa fazer. O tempo não vai e volta, ele apenas vai, não volta. E você não engana a si mesmo e sabe disso. Seus olhos tristes não mentem, solidão é o nome do jogo, mesmo que tudo passe despercebido para os outros. Nenhum de nós dois diz nada, estamos juntos no mesmo bonde. E este ainda está bem longe da sua parada terminal.
Mas depois, quando todo o barulho retorna, muito mais intenso do que antes, e a cidade volta a se agitar, não consigo ouvir mais nada, nada. Ambos nos perdemos no meio de todos. E assim então permanecemos escondidos e nos confundindo com o barulho da cidade.
alguns poemas

NA VIDA NEM TUDO É COMO SE QUER

Abro a porta ainda inconsciente
Deixo o sol entrar.
Trago em rimas inconsistentes
O que não costumo usar.
Passo pelo que não mereço
Para melhor lhe impressionar.
Vejo que não me conheço
E não há como lhe encontrar.

Faço das tripas coração impaciente
Qualquer meio de lhe salvar.
Canto sem fé minha oração incoerente
Qualquer santo para lhe guiar.
Sinto sua ausência
Mas não sei onde você estar.
Sob o signo da incerteza
Deito esperando não sonhar.

Só então descubro que se quisesse vir
Já estaria aqui comigo faz tempo, muito tempo.

RIO CÁTION

Não preciso de ninguém para me ensinar
Como se faz para melhor eu me quebrar,

Eu consigo sozinho sem nenhuma ajuda,
Estou andando no limite
Que minha dor determinou.

Não há como desaparecer completamente
Nem como piorar o estado crítico das coisas.

Pegue meu corpo no fim do corredor,
Estou cansado o bastante
Para o que restou do que agora sou.


Você nunca terá razões para duvidar
Dos descaminhos que trazem até aqui,

Ouça o toque do silêncio lembrando
Ao prisioneiro por mim inventado
Que não saio porque não quero.

Você também não precisa parar e chorar
Por tudo que desisto de viver morrendo,

Eu continuo sozinho sem nada esperar,
Sempre rastejando no limite
Que o que sou me ensinou.


Mas se ao menos você acreditasse
Que se eu lhe ferir não foi por mal.
Ah, se ao menos você acreditasse...

BAND AID

A fita vermelha da menina
Não pende seus cabelos soltos pelo vento.
Trouxe na ponta da língua
Palavras para quando você me perguntasse
Se em você eu tinha eternidades.
Pois bem, você nunca me perguntou.

Escondo o mais que posso a chave da fechadura
Mas quem me vê passar embaixo de pontes
Desconfia que por dentro sou metade.

O começo do fim do mundo chega
Logo na primeira curva do caminho
E depois, no reconhecimento da perda.
Se foi melhor assim então
Por quê sangue não para de escorrer
Pelo esgoto à baixo?

Você olha para trás, acena,
Sinto que algo pode mudar,
Mas você não me vê a sua frente, então,
Sorrir sem graça
E depois, adeus.

A GUERRA DOS BOTÕES

Isto que você esconde nas mãos
Tem um agradável cheiro de feriado,
Quando não tínhamos aula
E ficávamos nas calçadas de nossas casas
Contando os nossos melhores momentos,
Mas agora vejo, era só uma inocente maneira.
De esconder nossa tamanha inexperiência.

Tem também, uma adorável cor de entardecer,
Quando agradecíamos pela chuva
E fazíamos do futebol pelas ruas molhadas,
Partidas de sangue, suor e lágrimas.
Mas, na verdade era nossa forma.
De fazer do simples algo sem igual.

Ah, no primeiro diz do resto de minha vida,
Vou acordar bem tarde para aproveitar
Até o último instante meu resto de mim mesmo,
Para quando você não mais estiver comigo
Eu possa me lembrar que nenhum segundo foi em vão.

Isto que escorre pelo seu rosto
Tem gosto de namorar
Quando sorriamos do nada
E andávamos de mãos dadas na estrada
Fazendo promessas que nunca se cumpriria,
Mas, na verdade era só a felicidade.
Dividindo o tempo entre antes e depois.

Tem também, um jeito delicado de dia com febre.
Quando não queríamos remédio
E gerávamos improvável melhorar
Quando os amigos chamavam para brincar,
Mas com certeza era nossa ingênua maneira
De esconder o medo da perda do chão.

No caminho da casa até o trabalho
Vou passar pelo lado bom dos momentos difíceis
Para quando você não mais estiver comigo
Eu possa me lembrar que nenhum segundo foi perdido.


E, tem cara de fim de inocência
Quando a gente perde a adolecência
E não se sabe qual o lado para seguir
Escondendo nossos maiores temores,
Mas, na verdade é só saudade
Do que agora só reside na memória.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

THÉO E AS PRECIOSAS ILUSÕES

O sistema travou. A luz se apagou. A impressora enguiçou. O café acabou. A água faltou. A bateria do celular descarregou e o chefe chegou mais cedo dizendo que todos ficariam até mais tarde.
O elevador pifou. A chuva apertou. A fita da secretaria eletrônica só deu para gravar metade do recado. A caneta falhou. A prestação do carro venceu. A costura despregou e o cheque voltou mais cedo, sem tempo hábil para seu resgate.
E tudo o que Théo queria era chegar a sua casa, abrir a porta, encontrar sua família bem e não ter nenhum problema pendente. Nada que lhe tirasse o sossego de um simples jantar com os seus.
Mas que nada. Aquele dia era imperfeito demais para se querer algo além de chegar à casa vivo. Percebendo isso, Théo então preferiu correr. Correr em disparada. Feito um louco. Correr dos obstáculos a sua frente. Correr dos pedintes nas calçadas. Correr dos vendedores de coisa alguma. Correr dos pregadores insensíveis ao seu cansaço. Correr dos sinais sempre vermelhos e dos ônibus sempre lotados e atrasados. Correr da rotina parafuso interminável que se tornara sua vida. Correr. Correr. Correr. Correr até se cansar. Até se cansar de tudo e até de si mesmo diante de tudo, nada.
Cansou-se e foi capturado de novo por sua rotina.
O cartão de crédito amassou. O papel higiênico molhou. O pão caiu com o lado da manteiga para o chão. O CD arranhou na melhor faixa. O banco fechou porque o sistema estava fora do ar. A greve começou. O molho de tomate manchou a camisa branca preferida. O agiota ligou avisando que o pagamento vencera há pelo menos dois dias.
O motivo da piada era ele. A fila estacionou na sua vez. A chave quebrou. O arquivo se perdeu. A cerveja esquentou. O suflê estava estragado. O sapato novo furou. O calmante acabou e o cliente especial comunicou que desistiria da compra do imóvel.
O motor morreu. O zíper abriu. O patrulheiro multou. A paciência zerou. A cabeça esquentou. A pancadaria começou. A multidão se agitou e um mais forte chegou logo e a tudo dominou.
E tudo o que Théo queria era chegar à sua casa, abrir a porta, encontrar sua família bem e... Não ter nenhum problema pendente. Nada que lhe desviasse de uma boa noite de sono.
Mas que doce ilusão. Théo já sabia disso quando pós a chave na porta de sua casa e depois entrou.

terça-feira, 10 de maio de 2011

ALGUNS POEMAS QUE ESTÃO PRTICIPANDO DE ALGUNS PREMIOS LITERARIOS EM 2011

Prestigiem

E AGORA PARA ONDE VAMOS?

Está piorando,
E agora, para onde vamos?

Temos esperanças,
E agora, como nós ficamos?

Acreditam em nós.
E agora, quem nós somos?

Sabemos das respostas,
E agora, quais as perguntas?

CONTATO

Não me acorde,
Meus rápidos movimentos dos olhos
Delatam que pelo menos agora
Estou com você onde sempre lhe tenho.

Não me acorde,
Do lado de fora dos olhos fechados
Tudo que é sólido tem pressa
E volta e meia evapora nonsense.

Não me acorde,
Se for para dizer: esquece.
Não se importe
Se tudo muda e nada desaparece.

Não me acorde,
Se meu sorriso de canto de boca
Esconde mais do que revela
E deseja que tudo permaneça como estar,

Impossível ao alcance das mãos.

Então, vá embora agora
E fique distante no instante
Qu’eu despertar e encontrar
Do sonho que tive coisa alguma.

Por favor, não me acorde,
Dormindo é mais fácil não acreditar
Ser possível não duvidar
Ter depois você onde sempre, sempre lhe quis.

“DEEP BLUE”

Quando tentei o sonho por um instante ainda
Acordei da noite no calor sufocante dos fatos.
Quando calei minha alegria e ouvi gritos abafados,
Percebi que promessas feitas tinham perdido o sentido.

Quando deixei meus passos bem ao alcance dos seus,
Não achei estradas que nos levassem ao ontem.
Quando perguntei como chegamos a tal ponto,
Ouvi você dizer que nem tudo é como se quer.

Posto que o amor que sentia por mim agora é passado.

Quando busquei anestésicos contra minha angústia,
Senti na pele últimos suspiros de doente terminal.
Quando lembrei que depositei em você minhas esperanças,
Lembrei que ninguém descobre um santo para cobrir outro.

Quando vi quão profunda era a depressão que lhe causava,
Percebi que meu tormento era barco em mar tranqüilo.
Quando procurei a chuva para esconder minhas lágrimas
Lembrei que homem não chora, mas já era tarde, tarde demais.

Posto que o amor que sentia por mim nunca existiu.

CAFÉ DO BRASIL

Esta é a sua vida, veja o filme, leia o livro e compre o disco, tudo mais é sonho. Um emaranhado de planos frustrados, andares não alcançados, palavras reprimidas pelo medo de ser tudo possível, medo do que a mudança possa trazer consigo. ACORDA, toma seu café, coma seu pão, beija sua esposa, diga adeus aos seus filhos, espera no ponto, logo seu ônibus vem. ENTRA, obedeça a fila, procura um lugar vazio, horário de pique, trinta e seis sentados, o resto em pé, dê o sinal, desça no ponto, desamassa sua roupa. SENTA, ajeita sua mesa, diga bom dia ao seu chefe, veja o que está em pauta, mostra disposição para o serviço mesmo sabendo ser difícil pisar um degrau mais acima. LEVANTA, fecha gavetas, apaga as luzes, missão cumprida, passa no bar, joga conversa fora, fala das desgraças de cada um, saia na hora, volta pelo mesmo caminho que veio. CHEGA, abra a porta, família jantando em frente da televisão, coma algo requentado e lá pelas tantas, quando as crianças dormirem, faça amor com sua esposa, vira para o lado, pensa no seu dia, DURMA. Esta é a sua vida, ao vivo e em cores ao seu dispor, tudo mais é nada. Afinal, esta é a sua vida, com dos os is que se tem direito, com todos as vírgulas, os travessões, com todas as reticências no ar e um ponto final. Esta é a sua vida, não é mesmo?

DANÇANDO COM A MORTE NA RUA DO MENINO COM OLHAR DESCONCERTANTE

Morri três vezes antes de morrer realmente:
Quando subi ao palco pela primeira vez
Porque alguém disse que eu tinha talento
E nisso acreditei;
Quando a mais longa das guerras terminou
E uma suja medalha pelo sangue e circo
No peito coloquei;
E quando procurei o seu olhar desconcertante,
Que me inspirou por toda minha vida
E ele tinha para mim diminuído o encanto.

Depois, morrer de morte morrida,
Foi dos destinos o que melhor me aliviou.

E então entendi o amargo nas palavras
E o olhar distante dos sobreviventes,
Posto que, ao saber do Leste vindo veloz
No retrovisor da minha carruagem,
Em breve eu deixaria de ser o último deles.

TÃO PERTO, TÃO DISTANTE

Tão perto e
Tão distante
Eu do meu equilíbrio.

Muros altos,
Palavras vazias,
Meia-noite e meia
Tão cedo e já tão tarde.

Tudo de errado
Com o esperado
Sete mares navegados
E a morte na praia.

Tão perto e
Tão distante
Eu de minha serenidade.

Cores estranhas, essas
Nos teus olhos
Parecem uma outra versão
Das lágrimas nos meus.