sábado, 28 de maio de 2011

contos do livro
para sempre nos campos de morango

SUÍTE MELANCÓLICA Nº :1 PARA UM HOMEM QUE APARENTEMENTE TEM TUDO

Entre uma dose e outra de cachaça dois bêbados debatiam sobre as ironias da vida. Até aquele momento nada de relevante fora digno de registro. Seguiria assim por mais tempo se o mais sóbrio não elevasse o nível da conversa.
- Mas afinal, o que falta para um homem que aparentemente tem tudo?
- O conceito do que é tudo e do que é nada é muito relativo, não acha? Apesar de todas as pessoas serem iguais em diversos aspectos, o que as tornam diferente é, única e exclusivamente, uma questão de logística social.
- Então o que nos torna tão iguais? Diferentes? Sei lá, estou ficando confuso.
- A solidão.
- Isso responde a minha primeira pergunta?
- Talvez.
- Sei.
- Ter algo só faz sentido para quem existe de fato e de direito. E existir consiste em ter consciência de que ninguém tem nada na vida, nem sua própria vida. Assim sendo, ter significa não ter, posto que nada nos pertence. Ou seja, até aí somos solitários.
- Exato. Acho que sim. Sei lá, estou ainda mais confuso.
- Acalme-se. Tudo sempre se resolve.
- E o resto?
- O resto é uma vaga possibilidade. Possibilidade, claro, de ser feliz.
Houve silêncio depois disso. Eles sabiam que de alguma maneira o fato de não terem riqueza alguma poderia significar que tinham mais do que outros. Brindaram a este fato com outra dose seca e quente de cachaça. Depois voltaram a debater sobre outras ironias da vida menos importantes.

METRÔ RETRÔ

Às vezes, só às vezes, quando o barulho da cidade silencia e é possível ouvir os próprios passos, eu consigo estar com você no mesmo tempo e lugar. Então posso dizer sem medo de errar ou ofender, que sentimos algo bem parecido.
Você vem e fica com as pessoas do lugar. Divide com elas o pouco que tem. Conversa sobre as coisas da vida. Recorda-se de outros que se foram em um passado recente. Sente-se em casa e parte de uma família. Olha para todos os lugares e de repente, para lugar nenhum. Tudo bem e perfeito, tudo infinitamente azul. Tanto que ninguém pensaria em solidão. Ninguém.
Você até observa mais atentamente as luzes das casas apagadas por pessoas que acesas assistem a vidas parecidas com a delas pela televisão. Encanta-se por ver ao longe o movimento de crianças inocentes e inocentes ao momento, brincando em seus parques. Sorrir com um resto de chuva molhando flores de um jardim. Pensa em tudo isso seguindo seu curso normal de segunda-terça-quarta-quinta-sexta-sábado-domingo. E também, que ninguém pensaria em solidão, a sua solidão.
Mas, eu conheço a sua dor, sei o que tem passado para escondê-la dentro da alma. Sei o que tem feito para negá-la a si mesmo. Porque ela se parece tanto com a minha. Quem sabe até sejam a mesma. No entanto, não há nada que se possa fazer além de se lembrar de como tudo era, tentando nunca esquecer no que se tornou. Não há nada que se possa fazer. O tempo não vai e volta, ele apenas vai, não volta. E você não engana a si mesmo e sabe disso. Seus olhos tristes não mentem, solidão é o nome do jogo, mesmo que tudo passe despercebido para os outros. Nenhum de nós dois diz nada, estamos juntos no mesmo bonde. E este ainda está bem longe da sua parada terminal.
Mas depois, quando todo o barulho retorna, muito mais intenso do que antes, e a cidade volta a se agitar, não consigo ouvir mais nada, nada. Ambos nos perdemos no meio de todos. E assim então permanecemos escondidos e nos confundindo com o barulho da cidade.
alguns poemas

NA VIDA NEM TUDO É COMO SE QUER

Abro a porta ainda inconsciente
Deixo o sol entrar.
Trago em rimas inconsistentes
O que não costumo usar.
Passo pelo que não mereço
Para melhor lhe impressionar.
Vejo que não me conheço
E não há como lhe encontrar.

Faço das tripas coração impaciente
Qualquer meio de lhe salvar.
Canto sem fé minha oração incoerente
Qualquer santo para lhe guiar.
Sinto sua ausência
Mas não sei onde você estar.
Sob o signo da incerteza
Deito esperando não sonhar.

Só então descubro que se quisesse vir
Já estaria aqui comigo faz tempo, muito tempo.

RIO CÁTION

Não preciso de ninguém para me ensinar
Como se faz para melhor eu me quebrar,

Eu consigo sozinho sem nenhuma ajuda,
Estou andando no limite
Que minha dor determinou.

Não há como desaparecer completamente
Nem como piorar o estado crítico das coisas.

Pegue meu corpo no fim do corredor,
Estou cansado o bastante
Para o que restou do que agora sou.


Você nunca terá razões para duvidar
Dos descaminhos que trazem até aqui,

Ouça o toque do silêncio lembrando
Ao prisioneiro por mim inventado
Que não saio porque não quero.

Você também não precisa parar e chorar
Por tudo que desisto de viver morrendo,

Eu continuo sozinho sem nada esperar,
Sempre rastejando no limite
Que o que sou me ensinou.


Mas se ao menos você acreditasse
Que se eu lhe ferir não foi por mal.
Ah, se ao menos você acreditasse...

BAND AID

A fita vermelha da menina
Não pende seus cabelos soltos pelo vento.
Trouxe na ponta da língua
Palavras para quando você me perguntasse
Se em você eu tinha eternidades.
Pois bem, você nunca me perguntou.

Escondo o mais que posso a chave da fechadura
Mas quem me vê passar embaixo de pontes
Desconfia que por dentro sou metade.

O começo do fim do mundo chega
Logo na primeira curva do caminho
E depois, no reconhecimento da perda.
Se foi melhor assim então
Por quê sangue não para de escorrer
Pelo esgoto à baixo?

Você olha para trás, acena,
Sinto que algo pode mudar,
Mas você não me vê a sua frente, então,
Sorrir sem graça
E depois, adeus.

A GUERRA DOS BOTÕES

Isto que você esconde nas mãos
Tem um agradável cheiro de feriado,
Quando não tínhamos aula
E ficávamos nas calçadas de nossas casas
Contando os nossos melhores momentos,
Mas agora vejo, era só uma inocente maneira.
De esconder nossa tamanha inexperiência.

Tem também, uma adorável cor de entardecer,
Quando agradecíamos pela chuva
E fazíamos do futebol pelas ruas molhadas,
Partidas de sangue, suor e lágrimas.
Mas, na verdade era nossa forma.
De fazer do simples algo sem igual.

Ah, no primeiro diz do resto de minha vida,
Vou acordar bem tarde para aproveitar
Até o último instante meu resto de mim mesmo,
Para quando você não mais estiver comigo
Eu possa me lembrar que nenhum segundo foi em vão.

Isto que escorre pelo seu rosto
Tem gosto de namorar
Quando sorriamos do nada
E andávamos de mãos dadas na estrada
Fazendo promessas que nunca se cumpriria,
Mas, na verdade era só a felicidade.
Dividindo o tempo entre antes e depois.

Tem também, um jeito delicado de dia com febre.
Quando não queríamos remédio
E gerávamos improvável melhorar
Quando os amigos chamavam para brincar,
Mas com certeza era nossa ingênua maneira
De esconder o medo da perda do chão.

No caminho da casa até o trabalho
Vou passar pelo lado bom dos momentos difíceis
Para quando você não mais estiver comigo
Eu possa me lembrar que nenhum segundo foi perdido.


E, tem cara de fim de inocência
Quando a gente perde a adolecência
E não se sabe qual o lado para seguir
Escondendo nossos maiores temores,
Mas, na verdade é só saudade
Do que agora só reside na memória.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

THÉO E AS PRECIOSAS ILUSÕES

O sistema travou. A luz se apagou. A impressora enguiçou. O café acabou. A água faltou. A bateria do celular descarregou e o chefe chegou mais cedo dizendo que todos ficariam até mais tarde.
O elevador pifou. A chuva apertou. A fita da secretaria eletrônica só deu para gravar metade do recado. A caneta falhou. A prestação do carro venceu. A costura despregou e o cheque voltou mais cedo, sem tempo hábil para seu resgate.
E tudo o que Théo queria era chegar a sua casa, abrir a porta, encontrar sua família bem e não ter nenhum problema pendente. Nada que lhe tirasse o sossego de um simples jantar com os seus.
Mas que nada. Aquele dia era imperfeito demais para se querer algo além de chegar à casa vivo. Percebendo isso, Théo então preferiu correr. Correr em disparada. Feito um louco. Correr dos obstáculos a sua frente. Correr dos pedintes nas calçadas. Correr dos vendedores de coisa alguma. Correr dos pregadores insensíveis ao seu cansaço. Correr dos sinais sempre vermelhos e dos ônibus sempre lotados e atrasados. Correr da rotina parafuso interminável que se tornara sua vida. Correr. Correr. Correr. Correr até se cansar. Até se cansar de tudo e até de si mesmo diante de tudo, nada.
Cansou-se e foi capturado de novo por sua rotina.
O cartão de crédito amassou. O papel higiênico molhou. O pão caiu com o lado da manteiga para o chão. O CD arranhou na melhor faixa. O banco fechou porque o sistema estava fora do ar. A greve começou. O molho de tomate manchou a camisa branca preferida. O agiota ligou avisando que o pagamento vencera há pelo menos dois dias.
O motivo da piada era ele. A fila estacionou na sua vez. A chave quebrou. O arquivo se perdeu. A cerveja esquentou. O suflê estava estragado. O sapato novo furou. O calmante acabou e o cliente especial comunicou que desistiria da compra do imóvel.
O motor morreu. O zíper abriu. O patrulheiro multou. A paciência zerou. A cabeça esquentou. A pancadaria começou. A multidão se agitou e um mais forte chegou logo e a tudo dominou.
E tudo o que Théo queria era chegar à sua casa, abrir a porta, encontrar sua família bem e... Não ter nenhum problema pendente. Nada que lhe desviasse de uma boa noite de sono.
Mas que doce ilusão. Théo já sabia disso quando pós a chave na porta de sua casa e depois entrou.

terça-feira, 10 de maio de 2011

ALGUNS POEMAS QUE ESTÃO PRTICIPANDO DE ALGUNS PREMIOS LITERARIOS EM 2011

Prestigiem

E AGORA PARA ONDE VAMOS?

Está piorando,
E agora, para onde vamos?

Temos esperanças,
E agora, como nós ficamos?

Acreditam em nós.
E agora, quem nós somos?

Sabemos das respostas,
E agora, quais as perguntas?

CONTATO

Não me acorde,
Meus rápidos movimentos dos olhos
Delatam que pelo menos agora
Estou com você onde sempre lhe tenho.

Não me acorde,
Do lado de fora dos olhos fechados
Tudo que é sólido tem pressa
E volta e meia evapora nonsense.

Não me acorde,
Se for para dizer: esquece.
Não se importe
Se tudo muda e nada desaparece.

Não me acorde,
Se meu sorriso de canto de boca
Esconde mais do que revela
E deseja que tudo permaneça como estar,

Impossível ao alcance das mãos.

Então, vá embora agora
E fique distante no instante
Qu’eu despertar e encontrar
Do sonho que tive coisa alguma.

Por favor, não me acorde,
Dormindo é mais fácil não acreditar
Ser possível não duvidar
Ter depois você onde sempre, sempre lhe quis.

“DEEP BLUE”

Quando tentei o sonho por um instante ainda
Acordei da noite no calor sufocante dos fatos.
Quando calei minha alegria e ouvi gritos abafados,
Percebi que promessas feitas tinham perdido o sentido.

Quando deixei meus passos bem ao alcance dos seus,
Não achei estradas que nos levassem ao ontem.
Quando perguntei como chegamos a tal ponto,
Ouvi você dizer que nem tudo é como se quer.

Posto que o amor que sentia por mim agora é passado.

Quando busquei anestésicos contra minha angústia,
Senti na pele últimos suspiros de doente terminal.
Quando lembrei que depositei em você minhas esperanças,
Lembrei que ninguém descobre um santo para cobrir outro.

Quando vi quão profunda era a depressão que lhe causava,
Percebi que meu tormento era barco em mar tranqüilo.
Quando procurei a chuva para esconder minhas lágrimas
Lembrei que homem não chora, mas já era tarde, tarde demais.

Posto que o amor que sentia por mim nunca existiu.

CAFÉ DO BRASIL

Esta é a sua vida, veja o filme, leia o livro e compre o disco, tudo mais é sonho. Um emaranhado de planos frustrados, andares não alcançados, palavras reprimidas pelo medo de ser tudo possível, medo do que a mudança possa trazer consigo. ACORDA, toma seu café, coma seu pão, beija sua esposa, diga adeus aos seus filhos, espera no ponto, logo seu ônibus vem. ENTRA, obedeça a fila, procura um lugar vazio, horário de pique, trinta e seis sentados, o resto em pé, dê o sinal, desça no ponto, desamassa sua roupa. SENTA, ajeita sua mesa, diga bom dia ao seu chefe, veja o que está em pauta, mostra disposição para o serviço mesmo sabendo ser difícil pisar um degrau mais acima. LEVANTA, fecha gavetas, apaga as luzes, missão cumprida, passa no bar, joga conversa fora, fala das desgraças de cada um, saia na hora, volta pelo mesmo caminho que veio. CHEGA, abra a porta, família jantando em frente da televisão, coma algo requentado e lá pelas tantas, quando as crianças dormirem, faça amor com sua esposa, vira para o lado, pensa no seu dia, DURMA. Esta é a sua vida, ao vivo e em cores ao seu dispor, tudo mais é nada. Afinal, esta é a sua vida, com dos os is que se tem direito, com todos as vírgulas, os travessões, com todas as reticências no ar e um ponto final. Esta é a sua vida, não é mesmo?

DANÇANDO COM A MORTE NA RUA DO MENINO COM OLHAR DESCONCERTANTE

Morri três vezes antes de morrer realmente:
Quando subi ao palco pela primeira vez
Porque alguém disse que eu tinha talento
E nisso acreditei;
Quando a mais longa das guerras terminou
E uma suja medalha pelo sangue e circo
No peito coloquei;
E quando procurei o seu olhar desconcertante,
Que me inspirou por toda minha vida
E ele tinha para mim diminuído o encanto.

Depois, morrer de morte morrida,
Foi dos destinos o que melhor me aliviou.

E então entendi o amargo nas palavras
E o olhar distante dos sobreviventes,
Posto que, ao saber do Leste vindo veloz
No retrovisor da minha carruagem,
Em breve eu deixaria de ser o último deles.

TÃO PERTO, TÃO DISTANTE

Tão perto e
Tão distante
Eu do meu equilíbrio.

Muros altos,
Palavras vazias,
Meia-noite e meia
Tão cedo e já tão tarde.

Tudo de errado
Com o esperado
Sete mares navegados
E a morte na praia.

Tão perto e
Tão distante
Eu de minha serenidade.

Cores estranhas, essas
Nos teus olhos
Parecem uma outra versão
Das lágrimas nos meus.

CONTOS DO LIVRO FINALISTA NACIONAL - PREMIO SESC 2010 - CATEGORIAS CONTOS 2010: PARA SEMPRE NOS CAMPOS DE MORANGO OU SEGUNDO INVERNO

alguns textos bacanas esperos que gostem

ELLA FITZGERALD E UM DIA VERDE

Ela abriu a porta. Ele entrou. Ela fechou a porta. Ele esperou. Ela lhe tocou o rosto. Ele gelou. Ela entendeu. Ele sorriu. Ela tinha trinta. Ele dezesseis. Era pecado. Era errado. Era isso. Era aquilo. Ela queria. E ele então!
Ela teve medo de seguir. Ele temia não ser verdade. Ela continuou. Ele deixou. Ela pôs Ella Fitzgerald. Ele preferia Green Day. Ela dançou para ele. Ele a acompanhou com o olhar. Ela lhe beijou a boca. Ele viajou. Ela era fogo por dentro. Ele tremia de emoção. Ela sabia o que fazer. Ele se deixou levar. Ela abriu o sinal. Ele avançou. Era desejo. Era necessidade. Era sonho. Era realidade. Ela estava ali. Ele também.

E então aconteceu.

Ela abriu a porta. Ele saiu. Ela disse adeus. Ele sorriu. Ela lhe puxou pelo braço. Ele voltou. Ela lhe beijou a boca. Ele se entregou. Ela agora tinha dezesseis. Ele bem mais que isso. Ela tinha mudado. Ele estava nas nuvens. Era estranho. Era normal. Era devasso. Era divino. Ela o queria. Ele a teve.
E então se despediram no portão da casa dela, em meio a uma chuva fina que despretensiosamente caia.
Ele correu feito um louco, comemorando na chuva. Ela sorriu da situação, tanto que só pensaria nas consequências de tudo que houve depois. Bem depois.

MICAEL LIMPO

Único registro na última página do diário de Micael, encontrado por sua mãe sobre a cama dele, entre algumas revistas em quadrinhos, fotografias dele entre amigos - algumas delas contendo em seus versos trechos em inglês de um poema de Edgar Allan Poe - e um exemplar bastante danificado, sujo e com algumas páginas faltando de Moby Dick. Curiosamente as páginas anteriores deste mesmo diário estavam todas em branco.
Um passo de cada vez, um dia de cada vez, até voltar a ficar sóbrio, para quem sabe amanhã, amanhã voltar a viver. É tão difícil assim, meu Deus esse amanhã que nunca chega?
Hoje eu não cheirei, não traguei, não bebi, não comi e não roubei nada de ninguém para satisfazer qualquer necessidade minha. Qualquer vontade desesperada de me manter longe dos meus problemas. Você nem pode imaginar o quanto o dia de hoje me pesou e o quanto ainda me pesa. Hoje eu não matei ninguém, nem ninguém me matou com drogas que me aliviariam da dor de viver, porque eu não deixei. Confesso que nunca pensei que conseguiria menos. Eu estou assim, meio torto, meio tonto e é ainda por causa da visão da realidade. Será mesmo por isto? Não sei.
Hoje eu não furei, não me piquei, não bati, não feri e não quebrei nada de ninguém para compensar qualquer ausência minha. Qualquer medo alucinado de me querer longe dos meus dilemas. Mesmo sabendo que eles ainda rondaram minha casa. E as minhas horas passaram lentas. Ainda estou meio sonolento, será por causas dos remédios de ontem? Hoje também, eu não droguei ninguém e nem ninguém me drogou com remédios que me curariam do mal de querer morrer, porque eu não deixei. Apesar das razões todas e das chances tantas, hoje meu amigo, eu fiquei “limpo” esperando acordado para lhe dizer, com todas as palavras, que hoje a resistência venceu. E nada nem ninguém me impediram de querer vencer. Estranho, pensei que fosse mais difícil. É, pensei.
Hoje foi um dia bom. Eu até olhei para o sol de modo diferente depois de tantos dias no escuro. Ele estava lá como sempre esteve, quente, majestoso e tão perto e tão distante. Aproveitei e me banhei de luz. Nunca pensei que conseguiria sentir prazer em algo tão bobo como a luz do sol. Não pensei que conseguiria. É, hoje foi um dia bom. Eu não ofendi ninguém com minha dor, nem machuquei ninguém dizendo o que restou: esta pessoa aqui a sua frente. Hoje foi assim, um dia simples para um dia de cada vez. Eu vejo o amanhã vindo como chuva ácida sobre mim. Não vem leve. Pesa ainda na consciência os defeitos do ontem. Ainda assim ele vem vindo veloz e dele não posso garantir nada, só que tentarei enfrentá-lo.
Por isso, meu amigo, aceite o fato de eu ter vencido meu inimigo no dia de hoje. É pouco, mas é tudo o que tenho para oferecer. Do amanhã nada se sabe, nada. Você nem imagina o quanto tudo isso me custou e nem o quanto me valeu.
Quando a mãe de Micael terminou a leitura desta página de seu diário, olhou para ele, chorou e depois se deitou ao lado de seu corpo inerte e frio, como só as mães sabem fazer para que seus filhos tenham uma boa noite de sono.

DEITADO SOB UM CÉU ESTRELADO

O respeitado e sisudo manual de novecentas páginas, capa de couro, editado pela mais conceituada editora no ramo, e que melhor trata do assunto, declara que sucesso é trabalhar arduamente em prol de um objetivo. Mais à frente, em outro de seus longos capítulos, encerra o assunto afirmando que, depois de todo o sofrimento é preciso se conformar por ter cruzado a tal linha de chegada.
“Ah, foi um choque para todos!”. Esse era o eco entre todos os desavisados.
Ele tinha nome, tempo, talento, endereço, profissão, cultura, instrução, prestígio, catequização, amigos e amores, muitos amores. Tinha sempre a melhor opção, sábia o que queria e tinha o que queria. O que mais alguém poderia querer? O que mais?
“Estamos todos ainda surpresos”. Essa era a voz de todos os seus familiares.
Ele tinha fama, sorte, poder, a vez, a voz, o espaço, decência, beleza, um passado e de presente um futuro mais do que promissor. Criou conceitos e guiou multidões. O sucesso sempre fora sua marca registrada e o mundo vivia aos seus pés. Lutara arduamente para chegar onde estava. Tanto esforço, tanto. De tudo agora só cinzas. Só as cinzas.
O mais caro e, por tabela, o mais vendido livro de autoajuda do momento diz que, felicidade é conseguir o que se quer e depois, sentir-se realizado com tal conquista.
“Ah, não há explicação convincente”. Repetia o coro dos inconformados.
Tudo, tudo mesmo, sempre esteve bem, tudo bem, tanto que, quem morava ao longe nunca entendeu, sequer percebeu que nas vezes que chovia na cidade, chuva e lágrimas se confundia e se perdiam por caminhos solitários.
Bem, talvez tenha no final conseguido o que queria, porque até agora ninguém sabe ao certo por qual razão ele fez o que fez consigo.
“Ah, foi uma pena! Ele vai fazer tanta falta”. Isso era o que mais se ouvia durante a sua partida.
Mas o que ninguém sabia é que às vezes, palavras escritas não calam o silêncio que diz tudo. Não, não calam.

NUNCA TENTE BARGANHAR COM A MORTE

Eles estavam sentados lado a lado. Aquele era o lugar mais bonito que ele conhecia. O jardim da casa que um dia fora de sua mãe. Eles estavam ali, sentado à sombra de um flamboyant. Ela calada. Ele pensativo, precisava encontrar uma maneira de vencê-la a qualquer custo. Literalmente aquela era uma situação de vida ou morte para ele. Ela estava ali para cumprir sua missão. Levá-lo.
- OK, vamos jogar? – perguntou ele.
- Se sabe que vai perder por que você quer jogar então? E logo comigo? – respondeu ela sem interesse algum na resposta dele.
- Posso ao menos tentar. – respondeu ele meio desiludido.
- OK, vamos jogar.
Ele animou-se. Viu ali uma chance de ganhar algum tempo. Esse era com certeza o único prêmio que conseguiria caso vencesse.
- Escolha o jogo, eu trago as peças e faço as regras. – Disse ela, lacônica.
- OK, dados.
Então ela tirou de sua bolsa um par de dados comuns. Brancos e com seis faces.
- Você mesmo lança os dados e se a soma desse lançamento obtiver como resultado qualquer valor acima de seis é o vencedor. Caso contrário eu venço. – Ela disse isso, olhou para ele e como este tinha acatado a sua decisão, entregou em suas mãos um par de dados brancos de seis faces.
Ele recebeu os dados e como fazem os jogadores de dados, colocou entre as mãos fechadas, soprou e depois os lançou na grama verde. Estes rolaram pelo chão e pararam a poucos metros deles, em frente ao flamboyant.
Ele viu o resultado do lançamento dos dados. Animou-se. Pensou ter obtido sete, mas quando se aproximou deles, viu que o primeiro dado tinha a face cinco e o outro a face um. Desanimou-se. Então se voltou para ela dominado pela ira no olhar.
- O que foi meu caro? Eu trouxe o jogo que me pediu. Algum problema? Suas chances de ganhar eram boas. Não acha? Em vinte e quatro resultados possíveis, você tinha doze chances de ganhar, a metade das probabilidades. Alguma injustiça?
- Não sei. Houve? Você era a dona dos dados pode ter manipulado o resultado.
- Se assim pensa, escolha outro jogo.
Ele pensou por alguns instantes. Ela não se importava com seu desespero, calada esperava pela próxima opção de jogo. Então ele chegou a uma opção.
- Baralho. Pode ser?
Ela novamente colocou a sua mão dentro de sua bolsa e de lá tirou cartas de baralho. Olhou para ele e disse:
- Jogo mais simples ainda, você terá que completar uma seqüência de cinco cartas seguidas, podendo ser de naipes diferentes. Para não parecer que sou injusta, você terá dez chances de completar sua série de cartas seguidas, isso em um baralho de treze cartas separadas do resto, formando uma seqüência que parte de um às até um reis. Entendeu?
Ele balançou a cabeça em sinal de confirmação. E ela começou então a lançar cartas sobre a grama verde embaixo do flamboyant.
Ela separou do resto do baralho trezes cartas que formavam uma seqüência que iam de um às até um rei. Ele acompanhou a todo esse processo com o olhar atento ao seu movimento. Então pediu a primeira carta. Ela se virou para ele, colocou o baralho na grama verde com suas faces viradas para a grama e então outro jogo começou.
Ela virou a primeira carta, um três de ouros. Ele recebeu a carta e a segurou.
Ela virou a segunda carta, um cinco de paus. Ele recebeu e juntou a primeira carta.
Ela virou mais uma carta, uma dama de espadas. Ele recebeu descontente, sabia que dificilmente conseguiria alguma coisa com essa carta.
Ela virou outra carta, um oito de copas. Ele recebeu a carta, juntou-as as outras, animou-se. Sabia que essa carta poderia ser útil.
Ela virou outra carta, um seis de ouros. Ele recebeu e sorriu. Havia uma esperança em seu olhar. Faltavam cinco cartas e ele precisava que entre elas estivessem um quatro e um sete. Ou ainda um dois e um quatro. Nem pensou em outras possibilidades. Sua atenção estava voltada para a próxima carta.
Ela virou outra carta, um valete de copas. Ele a recebeu e a guardou, não expressando sentimento algum. Ainda estava no jogo, pensou ele.
Outra carta virada, agora um nove de paus. Poderia ser útil, acreditou ele.
A sétima carta foi tirada, um quatro de ouros. Ele sorriu, faltavam três cartas e sabia que na mão dela ainda restavam um às, um dois, um sete, um nove, um dez e um rei. Ou seja, suas chances eram boas de acertar uma carta em seis, nas próximas três viradas de cartas.
Nova carta virada, um nove de espadas. Ele não achou tão mal, poderia fazer um novo emparelhamento com ela. Precisaria apenas de um sete ou de um dois. Continuava vivo no jogo, pensou. Pediu a próxima carta.
Nona carta lançada, um rei de ouros. Agora lhe bateu certo desespero. Havia apenas mais uma carta ao seu dispor e essa precisava ser um sete ou um dois, nenhuma outra. Respirou fundo. Fechou os olhos e pediu a última carta.
Ela virou a décima e última carta. Ele nem quis olhar o resultado. Fechou os olhos e ainda tapou o rosto com suas mãos. Primeiro tirou as mãos do rosto, depois foi abrindo os olhos lentamente. E então encarou sua verdade, a última carta virada era um às de espada. Uma espada, pensou ele, e ainda empunhada por um às, que ironia do destino, um golpe mortal perfeito. Estava perdido. Aceitou a derrota.
Desanimou-se. Ainda assim resolveu apelar. Como era péssimo enxadrista, descartou sugerir o jogo de xadrez, e também porque estava em situação desesperada. Veio então a idéia de outros jogos, menos nobres é verdade. Mas na sua situação qualquer bobagem poderia lhe salvar. Desse desespero foi sugerindo jogo após jogo. E se desanimando conforme o animo dela diante de suas sugestões.
- Jan ken pó?
Ela se manteve séria em sinal de total negação. Ele tinha fé no impossível.
- Porrinha?
Ela nem se deu ao trabalho de olhar em seus olhos. Ele percebeu o seu desdém diante de absurda sugestão. Continuou tentando alguma coisa.
- Dominó? Dama?
Ela se mantinha imóvel e insensível ao seu desespero. Ele nem fez questão de procurar seus olhos para saber o que ela sentia diante de tantos absurdos.
- War, play station, banco imobiliário? Sei lá, par ou impar?
Ela percebeu que aquela situação estava se tornando enfadonha. Apesar de ser paciente queria dar um fim logo aquele jogo de paciência. E também porque sabia que se não tomasse logo uma providência ele viria com uma interminável relação de outros jogos de mesmo naipe.
Olhou para ele e lhe deu uma última chance de vitória. Escolheu para isso a disputa mais simples que conhecia. Tirou uma moeda de prata de sua bolsa.
- Cara ou coroa? – Perguntou ela.
- Coroa. – Respondeu ele, sem nenhuma esperança de vitória.
Ela lançou a moeda para cima. Ele apenas ficou observando sua subida para o alto e descida para o chão, até que esta encontrasse a grama verde.
- Cara, você perdeu de novo. – Disse ela.
Ele agora nada disse. Acatou a decisão enfim.
Derrotado, ele se levantou da grama verde sob o flamboyant e foi andando para o mais longe que pudesse daquele lugar.
Ela sorriu finalmente enquanto recolhia do chão a sua moeda de duas caras.

PARA SEMPRE NOS CAMPOS DE MORANGO

Seu corpo chegou junto com os primeiros raios desse longo dia. O serviço funerário já tinha deixado tudo pronto para a visitação de seus amigos. Ao redor de seu caixão seus parentes lamentavam pela sua partida. Seus dois irmãos choravam copiosamente. Sua mãe era a imagem viva do que é desespero. E seu pai se mantinha no mais completo silêncio. Tanta dor em tão poucos metros de distância. E eu, através das venezianas da janela de minha casa, assistia a tudo isso ainda sob o efeito da sua partida.
Duas da tarde e as horas não voltam. Tudo o que se fez deu em nada e o remédio que se tomou não serviu para a sua cura. Você morre a cada instante diante de meus olhos, ainda tão ao alcance das minhas mãos. Mas agora, estamos na estrada de linhas tortas e curvas perigosas do mundo que é pouco mais que ilha cercada por um mar de esteiras. Agora não há como evitar ou negar que estou perdendo você, meu amigo.
Sua casa se torna pequena para abrigar tanta gente que veio lhe ver pela última vez. Alguns são companheiros que estiveram conosco nos melhores ou nos piores momentos de sua breve existência. Algumas pessoas presentes eu me lembro. Outras, confesso que jamais as vi. Creio que são apenas curiosos. Todos estão ao redor de seu corpo. Todos menos eu. Não consigo ultrapassar a porta de minha casa, atravessar a rua e ir me despedir de você também. Minha tristeza não me permite. Falta coragem, sobra tristeza e solidão.
Meio da noite, o amanhã se aproxima. Seguro sua mão com toda força e fé que tenho na tentativa de evitar o inevitável desfecho. Mas você, até parece sorrir do próprio destino que lhe condenou a viver sempre a toda velocidade. Você me olha como da primeira vez que nos vimos. Uma lágrima de saudade escapa ainda para me acordar que nada mais adianta, perdi você.
Sua mãe vem e fecha seus olhos. Ela diz a todos que eles se abrirão diante de Deus. Seus irmãos jogam flores sobre seu corpo. Choram ao lado de sua mãe. Um silêncio invade a casa e então, seu pai vem e tampa o seu caixão. O serviço funerário chega e leva seu corpo. Em comboio carros se formam e seguem para o seu sepultamento. Mas, foi da janela, meu amigo, por trás das cortinas que eu vi quando você foi embora para sempre da vida de todos.
Andando por aí agora, não está fácil continuar sem você. Volto por onde estivemos. Passo pela rua em que não mora mais. Sinto que tudo mudou e para sempre. Não sei se vivo dentro da baleia ou a baleia é quem vive em mim. Não sei por que continuo caminhando devagar e sempre se sei que a minha dor não vai trazer você de volta. Nem se minhas lágrimas vão mudar o mundo em que estou. Não sei por que, mas continuo sem você e sem mim.

O SEGUNDO INVERNO – EPISÓDIO I: À BEIRA DO MAR ABERTO

Ele estava olhando para o mar, como quem olha o mar pela primeira vez, encantado. Queria que aquele instante nunca terminasse e que a noite nunca chegasse.
Ela o viu na beira da praia.
Ele estava descalço, de olhos fechado, sentindo o frio da água do mar lhe tocando os pés. Ele sorria. Estava contente por ter chegado até ali. Mas sabia que aquela felicidade toda não duraria para sempre.
Ela foi andando até onde ele se encontrava.
Ele sentiu que sua sorte logo mudaria.
Ela chegou a poucos passos dele. Era fim de tarde, quase noite, hora dos anjos, estes também estavam por perto e ao vê-la se aproximando de onde eles estavam, saudaram-na com um respeitoso aceno de cabeça que se manteve por além do tempo que durou a passagem dela por eles. Ela não respondeu ao aceno deles. Continuou a sua caminhada.
Ele sentiu um aperto no coração e um calafrio que se apossou de todo o seu corpo. Algo de ruim lhe aconteceria. Estava escrito, ele sabia disso.
Ela chegou bem perto dele. A poucos passos. Pronto, agora era só cumprir sua missão.
Ele fechou os olhos no instante em que ela se posicionou bem ao seu lado. Ele a sentiu.
E então ela tentou segurar a sua mão. Mas para sua surpresa ele se virou para ela e como se olhasse para dentro de seus olhos, gritou: - Nãããão!!!!!!
Ela não expressou sentimento algum. Nada lhe abalava. Ficou parada à beira mar. Quieta e solene. Não tinha pressa alguma, sabia que sua missão era inevitável, e também, ninguém consegue fugir por muito tempo de seu destino. E ela era o destino final de todos.
Desesperado ele correu pela areia da praia, tentando se afastar o máximo possível dela.
Ela o observou em sua inútil e infantil fuga. Não era a primeira vez que isso acontecia em uma de suas missões. Certamente não seria a última. Permitiu que ele se afastasse um pouco. Deu-lhe alguma vantagem e alguma esperança de que conseguiria dela se livrar.
Instantes depois ela o seguiu. E mais tarde o alcançou.

DONA ADELAIDE E AS LINHAS CRUZADAS

Dizem que as linhas paralelas se encontram no infinito e que as linhas cruzadas só se encontram por uma brincadeira do destino.
Dona Adelaide é uma viúva que mora em um prédio antigo, quase centenário. E como todo edifício desse porte, tem sérios problemas de infiltração, eletricidade e, principalmente, linhas telefônicas que vivem em constante caos. O que provoca o inevitável cruzamento de ligações. Ela se mudou para lá depois que seu marido morrera, os filhos cresceram e a antiga casa ficou grande demais para ela e sua pouca mobília. Sua tevê pifou já faz algum tempo e sua única diversão é ficar ao telefone, sempre atenta aos movimentos dos seus vizinhos. Vizinhos esses que ela, aliás, por se reservar a calma de seu apartamento, quase nunca os encontra pelos corredores do prédio. No entanto, as linhas cruzadas sempre lhe permitem conhecê-los um pouco melhor.
Algumas ligações lhe provocam risos.
“Mano” “Fala” “Avisa ai em casa que vou chegar mais tarde” “Vai matar aula de novo, hein?” “Não, eu vou estudar na casa de uns colegas” “Sei” “É sério” “Me engana que eu gosto!” “Avisa?” “O que ganho com isso?” “Você não faz nada de graça” “Blá, blá, blá” “Avisa?” “Tá bom, mas você fica me devendo mais essa” “Deixa comigo” “...”
Outras lhe lembram apenas das necessidades de sua despensa.
“Alô, é do supermercado?” “É sim, freguesa. O que vai querer” “Vocês podem mandar aqui pro 102 um garrafão de água mineral?” “Com certeza freguesa. Mais alguma coisa?” “Não, só isso mesmo” “Certo” “Não demore, por favor” “Tudo bem, chega já” “Obrigada” “...”
Há algumas que ligações que lhe provocam surpresa e nojo.
“Oi bem, teu marido quando vem?” “Chega só amanhã” “Posso ir ai agora?” “Pra que?” “Tô com saudade, não posso?” “Então vem” “Não demoro” “Tô chegando, meu bem” “Ainda tá aí?” “Beijos” “Só quando você chegar” “Tô morrendo de desejo” “Eu também” “Chega logo” “Tá” “...”
E outras lembram que nem tudo é tão perfeito assim.
“Alô, mãe” “Filha? É você?” “Mãe, sou eu” “Filha, o que foi que houve?” “Mãe, tô voltando” “Voltando filha, por quê? Diz o que houve” “Mãe, ele foi embora com outra... E eu tô tão sozinha querendo colo de mãe...” “Filha, fica calma” “Mãe... Onde foi que eu errei?” “Mas vocês pareciam tão bem” “Só fachada, mãe, ele já não me amava” “Oh filha, lamento, mas eu sempre disse que ele não prestava. Coração de mãe não se engana. Eu lhe disse” “Mãe, deixa pra lá...” “Chora não filha, homem nenhum merece seu choro, quanto mais aquele sem vergonha” “Mãe, posso voltar?” “Por mim você nunca teria partido” “Sua benção minha mãe” “Deus lhe abençoe, minha filha” “Tá” “...”
No entanto o que mais entristece dona Adelaide é que, desde que ela se mudou para esse prédio, nenhuma ligação sequer falou dela. E pior, nenhuma ligação chegou para ela, nem mesmo por engano. Como se ela sequer existisse.
Hoje, no entanto, ela preferiu nem acordar. Ficou deitada no frio da cama, esperando mais um dia passar despercebido. Talvez desejando sonhar com outros tempos. O que, aliás, não aconteceu.

CAFÉ COM PLACEBO III

Zine dedicado EXCLUSIVAMENTE a
Isabel Muniz, Lucas Neto, Nadia Camurça,
David Alexandre, Andre Couto e Leonardo Freitas, porque o amor em algum instante passou por aqui, ficou um tantinho de nada, mudou um bocadinho de tudo e depois, depois se foi. Ou não.

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A PRIMEIRA
A primeira dose desce rasgando a garganta, depois o corpo se acostuma e na próxima dose nem reclama.
A primeira queda chega matando a esperança, depois o corpo se levanta e na próxima queda nem se espanta.
Esta não foi a primeira vez que eu me frustre a espera de um milagre, mas confesso desta vez desejei tanto que acontecesse. Mas não, não aconteceu.
Você não foi quem primeiro fez o estrago que fez, mas confesso apenas você mais eu quis que ficasse.
Mas você, você não ficou.
BELO HORIZONTE PERDIDO
E eu, eu me entreguei de coração
E você zombou de mim em contradição
E se foi como vem uma chuva de verão
E se foi para longe em outra direção
Agora pouco me importa o que vão dizer
Se a tela que pintei a tristeza veio e manchou
Eu fecho minhas portas temendo sinais estranhos
Eu contemplo o semblante do meu horizonte perdido
E se alguém vem e diz que foi outra historia que deu errado
Eu chego perto e grito foi comigo e eu importo
Porque não foi ninguém que meu ensinou o mal de amar
Porque fui eu quem aprendi sozinho o mal de amar você.
MOÇA COM ROSA TATUADA
Da moça que se foi
Pouco se soube,
Apenas que tinha no peito
Uma rosa vermelha tatuada
Bem ao lado dos dizeres:
“Bem me quer, mal me quer...”.
UMA ÚLTIMA BALADA
PARA BLANCO & CACAU
Se lá fora a razão solta confetes, por dentro é sua ausência que me entristece. Mas se noves fora nada, é isso o que você quer, o que mais posso dizer alem de: pode ir.
O amor é diferente de outras drogas, não tem prazo de validade, não se encomenda, não tem noção do ridículo, não se encomenda Porque o amor é o ultimo biscoito do pacote.
O amor é nada diferente de outras doenças, não tem manual de instrução, não se aprende, não tem carta de navegação, não se entende, Porque o amor é a última coca-cola do deserto.
Às vezes a gente bate e bate a porta e a casa está vazia. Anda e anda e anda e não chega a parte alguma
Às vezes a gente fala e fala e fala e o silêncio é quem diz tudo. Luta e luta e luta e vai à lona por nocaute.
Por isso tudo, preciso aprender a viver
O resto da minha vida sem você.
A última

É sábado à noite, onze e cinquenta,
comerciais desfilam na tela,
alguma coisa ainda pode mudar,
ele pensa nisso mesmo sabendo que não.

Santiago descansa na poltrona
a espera da hora de sonhar com leões,
mas Deus lhe prepara um grande peixe
para engoli-lo como fez a Jonas.
E o Corvo lá fora diz: nunca mais.

Acordar cedo no dia seguinte é fácil,
não conseguir descansar à noite é o difícil.

É domingo, altas horas,
bebidas destiladas sobre a mesa,
algumas coisas sempre serão o que são,
ele sabe disso mesmo dizendo que não.

“Utopia” desliza na vitrola
e não espera voltar a poeira da estante,
mas o destino encaminha um “big bang”
para assustá-lo como já fez antes.
E lá fora as nuvens dizem: chove não.

Escrever matéria para a manhã seguinte é fácil, não terminar o capitulo anterior é o difícil.

Mas agora, até que ele tem um bocado de fé
e um repertório inteiro de boas intenções,
porque apesar da solidão dos amigos que se foram, ele anda sorrindo a torto e a direito.

EU NÃO CONHEÇO NADA MAIS ASSUSTADOR DO QUE ESTAR
APAIXONADO NOVAMENTE.

ACONTECE

Ainda pouco eu lhe disse: fica que eu te faço feliz. Então você ficou e agora que não mais precisa de mim, deita para o lado e dorme. “Volto amanhã de manhã, volto e brinco contigo”, ainda me diz sem ao menos pensar no me que diz sem pensar.
Ah, se eu fosse mais novo, arrancaria flores de seu jardim de infância, colocaria fogo na sua casa de bonecas, mas o verão terminou e outro outono agora chegou. Deito ao sei lado e digo: descansa, espero o amanhã. Descansa, amanhã é outro dia. Depois até que tento, mas não consigo dormir.

Estrelas alheias

Acho que você nem gosta de mim, mas se não foi embora ainda, algo mais quer levar, mas o que mais me falta levar? Acho que você nem precisa de mim e assim como papel de presente depois da surpresa sei como vou acabar, fora do eixo é onde vou acabar. ESTOU ANDANDO SOB A LUZ DE ESTRELAS QUE NEM BRILHAM PARA MIM. ESTOU ESPERANDO QUE UMA DELAS CAIA PARA ENFIM FAZER MEU DESEJO, MAS ELES NÃO CAEM, NEHUMA DELAS CAI. NÃO, NÃO CAI. Acho que apostei no cavalo errado, mas só percebi o engano depois do tiro de largada. Algumas cruzes na estrada lembram que nem todos que partem ao destino conseguem chegar.