sábado, 8 de outubro de 2011

CRÔNICAS COLETIVAS DO COTIDIANO - Bom dia, boa tarde, boa noite, com quem falo?



- Oi, Berg, bom dia com quem falo?
Meu dia começa quando digo esta frase. Aparentemente um dia normal e sem nenhuma preocupação, até o primeiro cliente logo de manhã já me aparecer bem estressado.
- Até que enfim alguém me atendeu! Quanta demora, hein?
- Com quem falo?
Sempre faço essa breve pergunta quando um desses me aparece.
- Marcos
- Certo, Marcos, em que posso ajudá-lo?
Em meus pensamentos só achava que aquela ligação iria durar ao menos uns dez minutos, quando me surpreendo com o pequeno problema daquele cliente, onde se tinha que fazer apenas um pequeno aprazamento de sua fatura.
- Pronto, Marcos, já abri o registro e aprazei seu vencimento por mais cindo dias para que não tenha problemas com juros e multas. - Ele agradeceu pelo rápido atendimento e desligou.
Sempre que um cliente desliga, nós, os operadores, sonhamos em ficar disponíveis, nem que seja por míseros dez segundos, mas nossa realidade é bem diferente, desliga um, aparece outro, quase sempre sem intervalo.
De ligação em ligação, rápido chega o primeiro descanso, dez minutinhos para ir ao banheiro, tomar um café, conversar ou assistir a algum programa de televisão.
- Oi, Berg, boa tarde, com quem falo?
Com esta frase começa o turno da tarde, atendendo uma pessoa bem particular.
- Boa tarde, me chamo Rafilda.
Esse é o breve momento que rimos e pensamos no porquê de um nome assim.
- Em que posso ajudar Rafilda?
- Meu filho, meu telefone esta bloqueado para celular e não pedi esse serviço.
- Entendo, aguarde um momento enquanto verifico.
Como é um procedimento simples, pois foi apenas uma falha sistêmica, essa ligação é perfeita para relaxar um pouco e até mesmo conversar com algum colega ao lado.
- Pronto, Rafilda, verifiquei que era apenas uma falha e já abri o registro de reparo, o prazo é de até vinte e quatro horas para normalizar.
- Obrigado pelo atendimento Berg.
- Eu que agradeço a sua ligação tenha uma boa tarde.

Como não poderia faltar em um dia de trabalho, à hora do lanche chega, agora tenho vinte minutos para engolir algo, tem que ser rápido, um minuto de atraso no lanche equivale a um minuto de desconto no meu contracheque.
Voltando do lanche, e já é bem próximo do turno da noite, quando crianças já chegaram da escola, sabem do que estou falando? Isso mesmo, trotes, pelo menos dois no dia tenho que receber.
- Oi, Berg, boa noite, com quem falo?
- Com o Diabo. – falou alto uma voz fina de criança.
- É mesmo? Papai-do-céu vai te buscar daqui a pouco para te levar de volta para seu lugar, tá bom?
Levo trotes como descontração e brinco também.
- Por motivo de trote, a ligação será encerrada.
Encerrado o trote, finalmente chegam os dez minutos finais do expediente. Logo pensei que nunca mais iria fazer duas horas extras por serem muito cansativas. E finalmente volto para casa tranquilo, onde penso apenas em tomar um banho e dormir, para quando acordar amanhã ocorrer tudo de novo.


Arte – retirado de WATCHMEN De ALAN MOORE – DAVE GIBBSON
Arte – retirado de AKIRA De KATSUHIRO OTOMO
TEXTO: GLAUCEMBERG RODRIGUES

Nenhum comentário: