sábado, 8 de outubro de 2011

CRÔNICAS COLETIVAS DO COTIDIANO - A Garota de Preto Ao Lado


Eu peguei um ônibus. Era o Parangaba-Parquelandia. Estava cansado de mais um dia de trabalho. Ela pegou o mesmo ônibus. E pelo belo vestido preto que usava, não foi difícil deduzir que estava indo para uma festa. Eram dez da noite. Muitos outros que como eu vinham do trabalho também pegaram esse mesmo ônibus.
Eu me sentei lá atrás, antes da catraca. Ela passou logo e se sentou lá na frente, perto do motorista. Depois de um tempo, olhei para ela e percebi que havia um espaço vazio ao seu lado. Paguei a passagem e mais do que depressa me desviei das pessoas e ao seu lado fui me sentar.
Ela olhou para mim por uns cinco segundos e depois olhou para a janela. Eu estava com uma vontade danada de falar com ela. E também com uma vergonha maior ainda. Ela não disse nada. Nem eu.
Um homem entrou naquele ônibus, não havia mais lugares vagos, mas ele trazia uma cadeira consigo.
- Ele é esperto. - foi o que eu disse.
Ela sorriu. E seu sorriso era lindo.
Eu senti que aquela era a oportunidade perfeita para falar alguma coisa. Então disse:
- Que horas são?
- Dez e meia. - ela me respondeu.
Que idiota, pensei comigo mesmo. Tive a chance e eu a desperdícei. Revoltado comigo mesmo resolvi me calar e me afundar de vez na minha estupidez.
Mas ela estava linda e cheirosa. E eu estava cansado e suado.
Ela era uma princesa. Eu sempre fui um ogro.
Eu precisava chamar a sua atenção de alguma forma.
Ela continuava olhando o mundo pela janela.
Eu estava doido para falar com ela, mas não sabia o que dizer.
Ela não tirava os olhos do mundo além da janela.
Eu já estava nervoso.
Comecei a cantar baixinho “Pôneis malditos!”.
Ela sorriu.
O ônibus parou no Terminal da Parangaba.
Ela já havia percebido, olhou pra mim e deu um largo sorriso.
Descemos do ônibus e seguimos na mesma direção.

Se eu queria falar alguma coisa tinha que ser naquele momento, e então fiz uma nova pergunta:
- Qual Parangaba você pega?
- Mucuripe. E você?
- João Pessoa. Tá indo pro dragão? - perguntei.
- Não. The Pub. Curtir. E você?
- Casa. Dormir. O que tá tendo lá?
- Batalha das bandas. Um mês só de heavy metal.
- Massa. Adoro heavy metal.
- Massa. Vamos então!
- Outro dia. Agora tô muito cansado. Só quero dormir.
- Tá bom. Até um dia então.
- Até.
O ônibus dela parou. Ela entrou nele.
Logo atrás veio o meu e nele eu entrei.
E dentro do meu ônibus me veio um pensamento. A princesa metaleira foi curtir e o ogro cansado de sua batalha no pântano foi dormir.
- Mas, espera ai, qual o nome dela?


ARTE: retirado de SANDMAN, de NEIL GAIMAN, desenhos de MIKE DRINGENBERG E MALCOLM JONES III
Texto: DAVID ALEXANDRE LIMA

Um comentário:

Mário Oliveira disse...

Fueda. O bom foi que algo ainda mais absurdo ocorreu comigo. E nesse dia eu decidi me livrar da minha timidez.


Acredito que eu consegui.