Seu corpo chegou junto com os primeiros raios desse longo dia. O serviço funerário já tinha deixado tudo pronto para a visitação de seus amigos. Ao redor de seu caixão seus parentes lamentavam pela sua partida. Seus dois irmãos choravam copiosamente. Sua mãe era a imagem viva do que é desespero. E seu pai se mantinha no mais completo silêncio. Tanta dor em tão poucos metros de distância. E eu, através das venezianas da janela de minha casa, assistia a tudo isso ainda sob o efeito da sua partida.
Duas da tarde e as horas não voltam. Tudo o que se fez deu em nada e o remédio que se tomou não serviu para a sua cura. Você morre a cada instante diante de meus olhos, ainda tão ao alcance das minhas mãos. Mas agora, estamos na estrada de linhas tortas e curvas perigosas do mundo que é pouco mais que ilha cercada por um mar de esteiras. Agora não há como evitar ou negar que estou perdendo você, meu amigo.
Sua casa se torna pequena para abrigar tanta gente que veio lhe ver pela última vez. Alguns são companheiros que estiveram conosco nos melhores ou nos piores momentos de sua breve existência. Algumas pessoas presentes eu me lembro. Outras, confesso que jamais as vi. Creio que são apenas curiosos. Todos estão ao redor de seu corpo. Todos menos eu. Não consigo ultrapassar a porta de minha casa, atravessar a rua e ir me despedir de você também. Minha tristeza não me permite. Falta coragem, sobra tristeza e solidão.
Meio da noite, o amanhã se aproxima. Seguro sua mão com toda força e fé que tenho na tentativa de evitar o inevitável desfecho. Mas você, até parece sorrir do próprio destino que lhe condenou a viver sempre a toda velocidade. Você me olha como da primeira vez que nos vimos. Uma lágrima de saudade escapa ainda para me acordar que nada mais adianta, perdi você.
Sua mãe vem e fecha seus olhos. Ela diz a todos que eles se abrirão diante de Deus. Seus irmãos jogam flores sobre seu corpo. Choram ao lado de sua mãe. Um silêncio invade a casa e então, seu pai vem e tampa o seu caixão. O serviço funerário chega e leva seu corpo. Em comboio carros se formam e seguem para o seu sepultamento. Mas, foi da janela, meu amigo, por trás das cortinas que eu vi quando você foi embora para sempre da vida de todos.
Andando por aí agora, não está fácil continuar sem você. Volto por onde estivemos. Passo pela rua em que não mora mais. Sinto que tudo mudou e para sempre. Não sei se vivo dentro da baleia ou a baleia é quem vive em mim. Não sei por que continuo caminhando devagar e sempre se sei que a minha dor não vai trazer você de volta. Nem se minhas lágrimas vão mudar o mundo em que estou. Não sei por que, mas continuo sem você e sem mim.
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