terça-feira, 10 de maio de 2011

NUNCA TENTE BARGANHAR COM A MORTE

Eles estavam sentados lado a lado. Aquele era o lugar mais bonito que ele conhecia. O jardim da casa que um dia fora de sua mãe. Eles estavam ali, sentado à sombra de um flamboyant. Ela calada. Ele pensativo, precisava encontrar uma maneira de vencê-la a qualquer custo. Literalmente aquela era uma situação de vida ou morte para ele. Ela estava ali para cumprir sua missão. Levá-lo.
- OK, vamos jogar? – perguntou ele.
- Se sabe que vai perder por que você quer jogar então? E logo comigo? – respondeu ela sem interesse algum na resposta dele.
- Posso ao menos tentar. – respondeu ele meio desiludido.
- OK, vamos jogar.
Ele animou-se. Viu ali uma chance de ganhar algum tempo. Esse era com certeza o único prêmio que conseguiria caso vencesse.
- Escolha o jogo, eu trago as peças e faço as regras. – Disse ela, lacônica.
- OK, dados.
Então ela tirou de sua bolsa um par de dados comuns. Brancos e com seis faces.
- Você mesmo lança os dados e se a soma desse lançamento obtiver como resultado qualquer valor acima de seis é o vencedor. Caso contrário eu venço. – Ela disse isso, olhou para ele e como este tinha acatado a sua decisão, entregou em suas mãos um par de dados brancos de seis faces.
Ele recebeu os dados e como fazem os jogadores de dados, colocou entre as mãos fechadas, soprou e depois os lançou na grama verde. Estes rolaram pelo chão e pararam a poucos metros deles, em frente ao flamboyant.
Ele viu o resultado do lançamento dos dados. Animou-se. Pensou ter obtido sete, mas quando se aproximou deles, viu que o primeiro dado tinha a face cinco e o outro a face um. Desanimou-se. Então se voltou para ela dominado pela ira no olhar.
- O que foi meu caro? Eu trouxe o jogo que me pediu. Algum problema? Suas chances de ganhar eram boas. Não acha? Em vinte e quatro resultados possíveis, você tinha doze chances de ganhar, a metade das probabilidades. Alguma injustiça?
- Não sei. Houve? Você era a dona dos dados pode ter manipulado o resultado.
- Se assim pensa, escolha outro jogo.
Ele pensou por alguns instantes. Ela não se importava com seu desespero, calada esperava pela próxima opção de jogo. Então ele chegou a uma opção.
- Baralho. Pode ser?
Ela novamente colocou a sua mão dentro de sua bolsa e de lá tirou cartas de baralho. Olhou para ele e disse:
- Jogo mais simples ainda, você terá que completar uma seqüência de cinco cartas seguidas, podendo ser de naipes diferentes. Para não parecer que sou injusta, você terá dez chances de completar sua série de cartas seguidas, isso em um baralho de treze cartas separadas do resto, formando uma seqüência que parte de um às até um reis. Entendeu?
Ele balançou a cabeça em sinal de confirmação. E ela começou então a lançar cartas sobre a grama verde embaixo do flamboyant.
Ela separou do resto do baralho trezes cartas que formavam uma seqüência que iam de um às até um rei. Ele acompanhou a todo esse processo com o olhar atento ao seu movimento. Então pediu a primeira carta. Ela se virou para ele, colocou o baralho na grama verde com suas faces viradas para a grama e então outro jogo começou.
Ela virou a primeira carta, um três de ouros. Ele recebeu a carta e a segurou.
Ela virou a segunda carta, um cinco de paus. Ele recebeu e juntou a primeira carta.
Ela virou mais uma carta, uma dama de espadas. Ele recebeu descontente, sabia que dificilmente conseguiria alguma coisa com essa carta.
Ela virou outra carta, um oito de copas. Ele recebeu a carta, juntou-as as outras, animou-se. Sabia que essa carta poderia ser útil.
Ela virou outra carta, um seis de ouros. Ele recebeu e sorriu. Havia uma esperança em seu olhar. Faltavam cinco cartas e ele precisava que entre elas estivessem um quatro e um sete. Ou ainda um dois e um quatro. Nem pensou em outras possibilidades. Sua atenção estava voltada para a próxima carta.
Ela virou outra carta, um valete de copas. Ele a recebeu e a guardou, não expressando sentimento algum. Ainda estava no jogo, pensou ele.
Outra carta virada, agora um nove de paus. Poderia ser útil, acreditou ele.
A sétima carta foi tirada, um quatro de ouros. Ele sorriu, faltavam três cartas e sabia que na mão dela ainda restavam um às, um dois, um sete, um nove, um dez e um rei. Ou seja, suas chances eram boas de acertar uma carta em seis, nas próximas três viradas de cartas.
Nova carta virada, um nove de espadas. Ele não achou tão mal, poderia fazer um novo emparelhamento com ela. Precisaria apenas de um sete ou de um dois. Continuava vivo no jogo, pensou. Pediu a próxima carta.
Nona carta lançada, um rei de ouros. Agora lhe bateu certo desespero. Havia apenas mais uma carta ao seu dispor e essa precisava ser um sete ou um dois, nenhuma outra. Respirou fundo. Fechou os olhos e pediu a última carta.
Ela virou a décima e última carta. Ele nem quis olhar o resultado. Fechou os olhos e ainda tapou o rosto com suas mãos. Primeiro tirou as mãos do rosto, depois foi abrindo os olhos lentamente. E então encarou sua verdade, a última carta virada era um às de espada. Uma espada, pensou ele, e ainda empunhada por um às, que ironia do destino, um golpe mortal perfeito. Estava perdido. Aceitou a derrota.
Desanimou-se. Ainda assim resolveu apelar. Como era péssimo enxadrista, descartou sugerir o jogo de xadrez, e também porque estava em situação desesperada. Veio então a idéia de outros jogos, menos nobres é verdade. Mas na sua situação qualquer bobagem poderia lhe salvar. Desse desespero foi sugerindo jogo após jogo. E se desanimando conforme o animo dela diante de suas sugestões.
- Jan ken pó?
Ela se manteve séria em sinal de total negação. Ele tinha fé no impossível.
- Porrinha?
Ela nem se deu ao trabalho de olhar em seus olhos. Ele percebeu o seu desdém diante de absurda sugestão. Continuou tentando alguma coisa.
- Dominó? Dama?
Ela se mantinha imóvel e insensível ao seu desespero. Ele nem fez questão de procurar seus olhos para saber o que ela sentia diante de tantos absurdos.
- War, play station, banco imobiliário? Sei lá, par ou impar?
Ela percebeu que aquela situação estava se tornando enfadonha. Apesar de ser paciente queria dar um fim logo aquele jogo de paciência. E também porque sabia que se não tomasse logo uma providência ele viria com uma interminável relação de outros jogos de mesmo naipe.
Olhou para ele e lhe deu uma última chance de vitória. Escolheu para isso a disputa mais simples que conhecia. Tirou uma moeda de prata de sua bolsa.
- Cara ou coroa? – Perguntou ela.
- Coroa. – Respondeu ele, sem nenhuma esperança de vitória.
Ela lançou a moeda para cima. Ele apenas ficou observando sua subida para o alto e descida para o chão, até que esta encontrasse a grama verde.
- Cara, você perdeu de novo. – Disse ela.
Ele agora nada disse. Acatou a decisão enfim.
Derrotado, ele se levantou da grama verde sob o flamboyant e foi andando para o mais longe que pudesse daquele lugar.
Ela sorriu finalmente enquanto recolhia do chão a sua moeda de duas caras.

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