segunda-feira, 16 de maio de 2011

THÉO E AS PRECIOSAS ILUSÕES

O sistema travou. A luz se apagou. A impressora enguiçou. O café acabou. A água faltou. A bateria do celular descarregou e o chefe chegou mais cedo dizendo que todos ficariam até mais tarde.
O elevador pifou. A chuva apertou. A fita da secretaria eletrônica só deu para gravar metade do recado. A caneta falhou. A prestação do carro venceu. A costura despregou e o cheque voltou mais cedo, sem tempo hábil para seu resgate.
E tudo o que Théo queria era chegar a sua casa, abrir a porta, encontrar sua família bem e não ter nenhum problema pendente. Nada que lhe tirasse o sossego de um simples jantar com os seus.
Mas que nada. Aquele dia era imperfeito demais para se querer algo além de chegar à casa vivo. Percebendo isso, Théo então preferiu correr. Correr em disparada. Feito um louco. Correr dos obstáculos a sua frente. Correr dos pedintes nas calçadas. Correr dos vendedores de coisa alguma. Correr dos pregadores insensíveis ao seu cansaço. Correr dos sinais sempre vermelhos e dos ônibus sempre lotados e atrasados. Correr da rotina parafuso interminável que se tornara sua vida. Correr. Correr. Correr. Correr até se cansar. Até se cansar de tudo e até de si mesmo diante de tudo, nada.
Cansou-se e foi capturado de novo por sua rotina.
O cartão de crédito amassou. O papel higiênico molhou. O pão caiu com o lado da manteiga para o chão. O CD arranhou na melhor faixa. O banco fechou porque o sistema estava fora do ar. A greve começou. O molho de tomate manchou a camisa branca preferida. O agiota ligou avisando que o pagamento vencera há pelo menos dois dias.
O motivo da piada era ele. A fila estacionou na sua vez. A chave quebrou. O arquivo se perdeu. A cerveja esquentou. O suflê estava estragado. O sapato novo furou. O calmante acabou e o cliente especial comunicou que desistiria da compra do imóvel.
O motor morreu. O zíper abriu. O patrulheiro multou. A paciência zerou. A cabeça esquentou. A pancadaria começou. A multidão se agitou e um mais forte chegou logo e a tudo dominou.
E tudo o que Théo queria era chegar à sua casa, abrir a porta, encontrar sua família bem e... Não ter nenhum problema pendente. Nada que lhe desviasse de uma boa noite de sono.
Mas que doce ilusão. Théo já sabia disso quando pós a chave na porta de sua casa e depois entrou.

Nenhum comentário: